sexta-feira, 21 de julho de 2017

Teatro/CRÍTICA

"O garoto da última fila"

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Pertinentes reflexões sobre arte e ética



Lionel Fischer



"Professor de literatura, Germano pede a seus alunos que escrevam sobre o que fizeram no último fim de semana. E entre redações horríveis, descobre uma inesperada pelo seu conteúdo e forma, escrita por Claudio, rapaz que se senta sempre na última fila. Aí se produz um encontro complexo, cheio de desencontros".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a premissa que dá origem a "O garoto da última fila" (Teatro das Artes), de autoria do dramaturgo espanhol Juan Mayorga. Com versão assinada por José Wilker e direção a cargo de Victor Garcia Peralta, a montagem tem elenco formado por Celso Taddei, Gabriel Lara, Isio Guelman, Lorena da Silva, Luciana Braga e Vicente Conde.

O embate central da peça, como explicitado no parágrafo inicial, se dá entre Germano e Claudio. Germano não se conforma com a ignorância generalizada dos jovens e seu desprezo pela leitura - ele acabou se dedicando apenas ao magistério por reconhecer que lhe faltava o indispensável talento como escritor. 

Quanto a Claudio, seu grande potencial como escritor está atrelado ao fato de que precisa literalmente entrar na vida das pessoas, o que para Germano configura, por um lado, uma espécie de traição com relação às pessoas com quem Claudio convive, posto que não sabem que estão sendo utilizadas como material para uma futura ficção; e por outro porque acha completamente desnecessário reproduzir fielmente a realidade, ao invés de recriá-la através da fantasia. 

No entanto, ambos jamais chegam a um acordo e Claudio continua frequentando a casa de seu colega Rafa, a quem dá aulas de matemática, e prestando enorme atenção no comportamento de seus pais e na relação entre os dois. E segue escrevendo, despertando fascínio e críticas de Germano, que em dado momento se enfurece ao saber que Claudio fora à sua casa, conversara com sua esposa e radiografara o lugar em que vive.

Em face do exposto, não cabe dúvida de que o presente texto levanta, dentre outras, pertinentes reflexões sobre ética e o poder da fantasia, aqui estando implícita a capacidade que os grandes escritores possuem de extrair grandeza de vidas, em sua aparência, marcadas pela mais absoluta banalidade, como fizeram Tolstói, Dostoiévski, Tchecov e tantos outros gênios. Minha única ressalva diz respeito à extensão da peça, que a meu ver poderia ter sido um pouco enxugada, mesmo levando-se em conta os ótimos diálogos e personagens muito bem construídos. 

Com relação à montagem, Victor Garcia Peralta impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, mesclando com grande sensibilidade os planos reais e fantasiosos propostos pelo autor. Estruturando seu espetáculo em torno de uma grande mesa e algumas cadeiras (ótima solução cenográfica de Miguel Pinto Guimarães), o encenador despreza o realismo - que aqui não faria o menor sentido - e cria marcações que geram simultaneamente impacto e estranheza, elementos indispensáveis para o fortalecimento dos múltiplos conteúdos em jogo. 

No tocante ao elenco, Isio Guelman (o mais elegante ator brasileiro de todos os tempos) extrai todo o potencial do professor Germano, evidenciando uma vez mais sua notável capacidade de encarnar personagens impregnados de grandes conflitos e contradições. Gabriel Lara está irrepreensível na pele do jovem Claudio, cabendo ressaltar a capacidade do jovem ator de materializar a determinação do personagem com relação aos seus objetivos, assim como a de sugerir, ao menos em alguma medida, uma espécie de serena perversidade, não isenta de algum cinismo.

Vivendo Joana, esposa de Germano, Luciana Braga valoriza ao máximo uma personagem cuja função consiste em criticar o marido pela forma como age com seus alunos e explicitar sua angústia ante a possibilidade de ser despejada da galeria de arte que administra, e cujos objetivos são desprezados por Germano - cabe registrar que a personagem, caso fosse interpretada por uma atriz de menor talento, não teria tanta relevância. Celso Taddei está muito bem vivendo o pai de Rafa, um homem que tenta inutilmente transcender as suas limitações, o que proporciona muitos risos. Lorena da Silva (Hester), sua esposa, materializa com grande sensibilidade uma personagem marcada por uma existência vazia e sem maiores perspectivas. Vicente Conde (Rafa) exibe segurança e extrai o que é possível de um personagem com menores possibilidades do que os demais.   

No complemento da ficha técnica, Maneco Quinderé ilumina a cena sem utilizar cores, o que contribui para reforçar a unidade dos planos narrativos, sendo muito bons os figurinos de Carol Lobato, em total sintonia com o contexto e as personalidades retratadas. Cabe também ressaltar a excelência tanto da versão como da tradução do saudoso e inesquecível José Wilker. 

O GAROTO DA ÚLTIMA FILA - Texto de Juan Mayorga. Versão de José Wilker. Direção de Victor Garcia Peralta. Com Celso Taddei, Gabriel Lara, Isio Guelman, Lorena da Silva, Luciana Braga e Vicente Conde. Teatro das Artes. Quarta e quinta às 21h.










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