segunda-feira, 22 de maio de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Adeus, palhaços mortos"

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Inesquecível encontro no Sesc

Lionel Fischer


"A obra expõe de maneira provocativa e impactante três velhos palhaços de circo que acidentalmente se reencontram, depois de muitos anos, na antessala de uma agência de empregos. Eles sabem que só um será escolhido. Então suas amizades, memórias, segredos, pequenezas e vilanias serão expostos, criando, dessa maneira, uma ode ao ofício do ator e uma profunda reflexão sobre os fundamentos filosóficos da carreira artística. A sala de espera desse teste de casting, que nunca acontece, se revela um não-lugar, um limbo onde estas três figuras se veem condenadas a rever suas escolhas éticas e estéticas, num exercício infinito de reflexão sobre a resiliência do artista, a urgência da Arte e a sacralidade do ofício".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, expõe o contexto e os principais temas de "Adeus, palhaços mortos", de autoria de Matei Visniec. Após cumprir belíssima temporada em São Paulo, onde colecionou prêmios e indicações, o espetáculo está em cartaz no Sesc Copacabana (Mezanino). José Roberto Jardim responde pela adaptação do texto e direção da montagem, mais recente criação da companhia Academia de Palhaços. No elenco, Laíza Dantas, Paula Hemsi e Rodrigo Pocidônio. 

Antes de mais nada, devo confessar que muitas das considerações que faria já estão expostas no parágrafo inicial, como já disse extraído do (ótimo) release que me foi enviado. Mas talvez ainda possa fazer breves conjecturas, quem sabe possuidoras de alguma pertinência. Vamos, pois, a elas.

Curiosamente, ao menos para mim, o espetáculo começa fora do Mezanino. E isto se dá da seguinte maneira: uma jovem, cuja beleza equivale à sua simpatia, oferece a cada espectador a possibilidade de levar consigo um protetor auricular, prevenindo que a dita oferta se deve ao fato de que o som do espetáculo é muito alto e alguém poderá se sentir incomodado. Diante disto, me vi tomado por hamletiana dúvida: levo ou não levo? Acabei levando, basicamente por temor de que uma recusa poderia gerar irremediável arrependimento. Mas acabei não usando o delicado protetor e lamentavelmente me esqueci de devolvê-lo ao final do espetáculo...

Uma vez instalado em meu lugar, duas coisas me chamaram a atenção. A primeira: no lado esquerdo do espaço, um homem manipulava uma gigantesca mesa de som. A segunda: a presença de um cubo de três faces que me levou a acreditar que a montagem aconteceria ali dentro - estava parcialmente certo. De repente, o som se torna mais violento e começam a ser projetados, na face frontal do cubo, trechos de vídeos em um ritmo alucinado, que não permitem, a meu ver propositadamente, uma confortável apreensão do que é exibido - mas é possível que as imagens exibam registros da trajetória do grupo. 

Finalmente, esses vídeos são interrompidos e uma luz permite que se veja uma figura dentro do cubo. A partir daí, e com o desenrolar da peça, grafismos abstratos se incorporam à iluminação, e somos sempre surpreendidos com imprevistos cortes e deslocamentos, que contribuem de forma decisiva para alterar nossa percepção do que é exibido, eliminando qualquer possibilidade de nos sentirmos confortáveis - neste sentido, não custa nada enfatizar que o fenômeno teatral pode gerar tudo, menos conforto. 

Até que chega o momento em que a montagem parece haver terminado. Uma atriz permanece dentro do cubo manipulando um celular, outra sai do espaço, descansa, se alonga e bebe água; o ator se senta junto aos espectadores e ali permanece sem fazer nada. Passado um tempo - talvez excessivo, única ressalva que faço ao espetáculo - a atriz e o ator voltam ao cubo e tudo recomeça, só que agora num ritmo ainda mais alucinado e com as partes faladas reduzidas. É a segunda sessão, que só não chega à terceira porque a atriz, que antes saíra, é impedida de fazê-lo por aquela que, no intervalo, manipulava o celular. Trata-se, sob todos os aspectos, de uma ideia brilhante, em total sintonia com o material dramatúrgico. 
E por que se dá essa sintonia?

Os personagens estão à espera de alguém que jamais chegará, como em "Esperando Godot", e como se mostram impotentes para tomar qualquer decisão quanto ao futuro, estão como que imobilizados no tempo e assim condenados à eterna repetição de falas e de gestos dos quais não conseguem se libertar, assim como fracassam ao apelar para as respectivas memórias em busca de algum alento. Mas é tudo inútil, pois o suposto e glorioso passado de cada um é sempre contestado pelos outros, e jamais se chega a saber se algum deles tem efetivamente algo do que se orgulhar de sua carreira. 

Assim, como que reduzidos à condição de náufragos de si mesmos, os personagens, ao menos em alguma medida, parecem dar razão a Jean-Paul Sarte, que em "Entre quatro paredes" sustenta que o inferno são os outros. No entanto, e mesmo que vitimados pela mesma desesperança, os personagens ainda conseguem empreender profundas reflexões sobre a Arte e o ofício do ator, o que confere especial grandeza ao maravilhoso texto de Matei Visniec.

Responsável pela excelente adaptação e por uma dinâmica cênica que se insere entre as mais brilhantes que já assisti, José Roberto Jardim exibe o mérito suplementar de haver extraído excelentes performances do elenco, tanto em termos vocais como corporais. Laíza Dantas, Paula Hemsi e Rodrigo Pocidônio são intérpretes cuja expressividade não advém apenas de seus vastos recursos, mas também da plena compreensão da obra em que atuam e de sua visceral capacidade de entrega. A todos, portanto, agradeço o inesquecível encontro que me proporcionaram.

Na equipe técnica, parabenizo a todos com o mesmo entusiasmo - Tiago de Mello (direção musical e trilha sonora original ao vivo), BijaRi (cenografia e vídeo-instalação), Lino Villaventura (figurino), Leopoldo Pacheco (visagismo) e Paula Hemsi e José Roberto jardim (iluminação).

ADEUS, PALHAÇOS MORTOS - Texto de Matei Visniec. Direção e adaptação de José Roberto jardim. Com Laíza Dantas, Paula Hemsi e Rodrigo Pocidônio. Sesc Copacabana (Mezanino). Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h. 








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