terça-feira, 3 de novembro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Talk Radio"

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Sombria e pertinente visão da América



Lionel Fischer



"O locutor de rádio Barry Champlain comanda, todas as madrugadas, um programa onde responde aos telefonemas de seus ouvintes - pessoas estranhas, solitárias e problemáticas. O programa aborda assuntos polêmicos, como legalização de drogas, homossexualismo, racismo, preconceitos, diferenças religiosas e patologias do comportamento humano. Ao mesmo tempo, a peça mostra os bastidores do programa e a tumultuada relação de Barry com seus colegas de emissora".

Extraído, e um pouco editado, do release que me foi enviado, o trecho acima resume o contexto em que se dá "Talk Radio", do norte-americano Eric Bogosian. Maria Maya responde pela direção do espetáculo (Teatro Solar de Botafogo), estando o elenco formado por Leonardo Franco (Barry Champlain), Alexandre Varella (Dan, ouvintes), Bernardo Mendes (Kent), Marcelo Aquino (Stu, ouvintes), Mariana Consoli (ouvintes), Raul Franco (ouvintes) e Stela Maria Rodriygues (Linda).

Escrito em 1987, este texto poderia soar um tanto defasado, em função da era digital. Mas acredito que o rádio jamais perdeu ou perderá sua força, e menos ainda quando pessoas, como no presente caso, podem conversar com alguém sem nenhuma intermediação. E mais: sabendo que também estão sendo ouvidas por outras pessoas, o que deve gerar algum consolo para os que padecem de solidão ou que julgam que suas opiniões ou desabafos não merecem ser levados a sério. Mas será que Barry leva a sério seus ouvintes?

Em alguns poucos casos, sim, mas na maioria, não. De uma maneira geral, o apresentar se vale dos telefonemas para expor, de forma virulenta e sarcástica, seu desprezo pelas opiniões emitidas e valorizar as próprias. No entanto, se fosse apenas isso, a peça se resumiria em expor uma forte, irônica, virulenta e carismática personalidade, quando na realidade o autor pretendeu muito mais. Em meu entendimento, o que está em causa não são as patologias individuais, mas a patologia de uma nação. 

Posso estar enganado, evidentemente, mas acredito que os ouvintes que telefonam - e não raro inventam histórias - não são tão importantes enquanto indivíduos e sim como integrantes de uma coletividade que, resguardada pelo anonimato, constitui uma das mais graves ameaças a qualquer sociedade: a maioria silenciosa. 

Neste sentido, ao dar voz àqueles que em princípio jamais seriam escutados, o que Barry pretende não é se compadecer com eventuais infortúnios ou desancar os que defendem valores diferentes dos seus, mas fundamentalmente fazer emergir o que jamais vem à tona, exibindo o lodo que se esconde sob a superfície supostamente límpida de uma sociedade que, da forma mais descarada, ainda insiste em ser tomada como exemplo.

Bem escrito, contendo ótimos personagens e exibindo uma ação que prende a atenção do espectador desde o início, "Talk Radio" recebeu segura versão cênica de Maria Maya, tanto nas passagens em que Barry se relaciona com seus ouvintes quanto naquelas em que o foco recai na emissora, durante os intervalos comerciais. A única ressalva que faço à encenadora diz respeito à iluminação de Adriana Ortiz, com a qual, evidentemente, Maria Maya concordou.

Que a luz que incide sobre o apresentador, enquanto o programa está no ar, seja basicamente sombria, até aí tudo bem. Mas por que manter a mesma e imutável atmosfera soturna quando vemos os ouvintes? Será que algum tipo de contraste não tornaria essas relações mais vivas e expressivas? Será que a apropriada utilização da cor não contribuiria para enfatizar ainda mais os diversificados climas emocionais em jogo? Enfim...fica a sugestão.

Com relação ao elenco, Leonardo Franco exibe uma das melhores performances de sua carreira, conseguindo materializar na cena as principais características de uma personalidade controversa e fascinante. No que diz respeito a Alexandre Varella, Bernardo Mendes, Marcelo Aquino, Mariana Consoli, Raul Franco e Stela Maria Rodriygues (por sinal, cada vez mais linda), todos contribuem de forma decisiva para o êxito desta poderosa e mais do que pertinente empreitada teatral.

No complemento da ficha técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de Leonardo Franco (tradução), José Dias (cenografia), João Paulo Mendonça (produtor musical), Marina Beltrão (visagismo), Verônica Machado (preparação vocal) e Cynthia Reis (direção de movimento).

TALK RADIO - Texto de Eric Bogosian. Direção de Maria Maya. Com Leonardo Franco, Alexandre Varella, Bernardo Mendes, Marcelo Aquino, Mariana Consoli, Raul Franco e Stela Maria Rodriygues. Teatro Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.










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