sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Lapinha"

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Belo e oportuno musical



Lionel Fischer



"Filha de uma negra liberta e mais conhecida como Lapinha, Joaquina Maria Conceição da Lapa foi uma cantora lírica e atriz dramática de grande sucesso no final do século XVIII e início do século XIX. Graças à sua bela voz e enorme carisma, Lapinha foi a primeira cantora negra a se destacar na arte cênica brasileira e internacional - recebeu autorização da Rainha D. Maria e do Príncipe Regente para apresentar-se em Portugal, onde morou durante 14 anos".

O trecho acima, extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, resume as principais informações sobre a protagonista do presente musical, que exibe praticamente toda a trajetória artística desta personalidade tão singular e ao mesmo tempo tão pouco conhecida.

Com texto assinado por João Batista, "Lapinha" (Teatro Clara Nunes) chega à cena com direção de Edio Nunes e Vilma Melo, estando o elenco formado por Isabel Fillardis, Zezeh Barbosa, Helga Nemeczyk, Ivan Vellame, Naná Nascimento e Ruben Gabira.

Em termos de estrutura narrativa, o texto mescla o presente (um grupo tenta decifrar o mistério de uma tela pintada de negro, tendo a auxiliá-lo um funcionário do museu) e o passado (a trajetória da cantora desde muito jovem). E entre idas e vindas, o referido mistério acaba sendo elucidado, pois fica-se sabendo que, em algumas ocasiões, a cantora maquiou de branco seu rosto, braços e mãos, única forma de ser aceita pela sociedade hipócrita e preconceituosa da época - que, diga-se de passagem, continua hipócrita e preconceituosa nos dias de hoje.

Mas o texto não se resume, evidentemente, à elucidação de um mistério. Ele nos mostra, de forma contundente e poética, a determinação de uma mulher que, dada a sua beleza, poderia ter se tornado mera cortesã. No entanto, e mesmo que eventualmente tenha feito algumas concessões para dar prosseguimento à sua carreira - fato sempre contestado por sua mãe -, o que importa ressaltar é que acabou se impondo como uma grande artista. E é óbvio que a rainha e o regente sabiam que ela era negra, assim como o público português, que a acolheu sem reservas. 

Bem escrito, contendo bons personagens e uma trama que prende a atenção da plateia ao longo de todo o espetáculo, o texto de João Batista recebeu excelente versão cênica de Edio Nunes e Vilma Melo. Valendo-se de marcas diversificadas e expressivas, e impondo à montagem uma atmosfera que ora prioriza o drama, ora o humor e muitas vezes sugere um Conto de Fadas, os encenadores exibem o mérito suplementar de haverem extraído ótimas atuações do elenco.

Na pele de Lapinha, Isabel Fillardis valoriza em igual medida tanto as passagens mais dramáticas quanto aquelas em que o humor predomina, além de cantar de forma afinada e sempre expressiva. A mesma eficiência se faz presente na performance de Zezeh Barbosa, que impõe à mãe da protagonista doses equivalentes e justas de ternura e retidão moral.

Dividindo-se entre personagens de época e atuais, Ruben Gabira, Naná Nascimento, Ivan Vellame e Helga Nemeczyk exibem ótimas interpretações e cantam de forma esplêndida as belíssimas canções compostas por Wladimir Pinheiro, também responsável por irretocáveis letras, arranjos e direção musical - e aqui torna-se imperioso ressaltar a maestria do conjunto formado por Felipe Tauil, Gabriel Gravina, Isabelle Albuquerque, Luiz Felipe Ferreira e Whatson Cardozo.   

Na equipe técnica, Aurélio de Simoni responde por uma iluminação primorosa, certamente a maior responsável pela já mencionada atmosfera de Conto de Fadas que a montagem exibe em alguns momentos. Um trabalho que reitera, uma vez mais, que Aurélio de Simoni não é apenas um profissional exemplar: Aurélio é um poeta. Cabe também destacar os irrepreensíveis cenário e figurinos da Espetacular! Produções e Artes (Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faebo), assim como as preciosas colaborações de Mona Magalhães (visagismo) e Ester Elias e Marcelo Sader (preparação vocal).

LAPINHA - Texto de João Batista. Direção de Edio Nunes e Vilma Melo. Com Isabel Fillardis, Zezeh Barbosa, Helga Nemeczy, Ivan Vellame, Naná Nascimento e Ruben Gabira. Teatro Clara Nunes. Quarta, 21h. Quinta e sexta, 18h30. 









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