quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Silêncio!"

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Intolerância e preconceito no Sesc


Lionel Fischer



Um jantar de Shabat (que abre o dia do descanso judaico) é o pretexto para a reunião familiar. Estão presentes o casal Esther e David, as netas Clara e Debora, o casal Beto e Regina (pais das jovens) e no segmento final surge Flávio, noivo de Debora. Logo ficam claros dois dos principais baluartes do texto: a postura de perene vítima adotada pela matriarca Esther (que gera constantes tensões e discussões) e a revelação feita por David de que pretende escrever um livro, cuja pesquisa está sendo feita por Clara.  

A partir daí, o que deveria constituir um momento de paz e harmonia se converte, pouco a pouco, em palco de sucessivos embates, invariavelmente provocados pela queixosa e irônica matriarca. Mas tais querelas acabam se tornando quase que pueris em face de uma desconcertante revelação, feita ao final pelo patriarca, não somente sobre o conteúdo do livro que planeja escrever, mas também com relação à sua história pessoal.

Eis, em resumo, o enredo de "Silêncio!", que acaba de estrear no Teatro de Arena, do Espaço Sesc. De autoria de Renata Mizrahi, a peça chega à cena com direção de Mizrahi e Priscila Vidca, estando o elenco formado por Suzana Faini (Esther), Jitman Vibranovski (David), Alexandre Mofati (Beto), Verônica Reis (Regina), Karen Coelho (Clara), Gabriela Estevão (Debora) e Vicente Coelho (Flávio).

Em boa parte da peça, como já foi dito, a matriarca provoca inúmeras discussões, posto que insiste em adotar a irritante postura de quem detém o monopólio de todas as verdades. Isso revolta Clara, sendo tal revolta parcialmente amenizada pelas intervenções de Debora, que procura a todo momento apaziguar os ânimos. Paralelo a isso, vemos Beto submeter a esposa à sua estúpida necessidade de afirmação, aqui materializada por sua insistência em que ela coma "uma batatinha", mesmo que não deseje fazê-lo.

Mas é na parte final que a peça ganha uma dimensão maior. David revela, para assombro geral (em particular, de sua esposa), que o livro que planeja escrever tem como tema as famosas polacas, jovens judias que vieram do Leste Europeu no final do século XIX e início do século XX, e que em sua maioria tornaram-se prostitutas. E mais: que ele próprio, David, é filho de uma delas com um cafetão, que jamais chegou a conhecer. O estarrecimento é geral, mas antes que a agora prostrada Esther desfaleça ou tenha um ataque, surge Flávio, que desvia o foco com sua feliz e exuberante presença. A família faz um brinde, reza uma oração e a peça termina. 

Estamos, portanto, diante de um texto que nos faculta um sensível olhar sobre o universo familiar (qualquer que seja ele) e sobretudo sobre questões bastante pertinentes, como o preconceito, a intolerância e a costumeira necessidade que os mais velhos têm de achar que sabem o que é mais conveniente para os jovens - essa insistência, às vezes exercida de forma feroz, me parece constituir uma das principais razões que mantêm os consultórios psicanalíticos repletos de clientes.

Com relação ao espetáculo, Renata Mizrahi e Priscila Vidca impõem à cena uma dinâmica que investe sobretudo no trabalho dos intérpretes, o que não deixa de ser coerente em um texto desta natureza. Mas há momentos não muito bem solucionados, em especial quando os personagens "saem de cena" - o recurso de colocá-los sentados em banquinhos, praticamente dentro do espaço de representação, não funciona, mesmo que eles adotem uma postura neutra. Há também alguns silêncios que não estão visceralmente preenchidos, o que dá a sensação de a montagem se alongar mais do que seria necessário.

No tocante ao elenco, Suzana Faini é uma presença poderosa na pele da matriarca, de longe o melhor papel da peça, conseguindo valorizar ao máximo o sarcasmo e intolerância de Esther. Jitman Vibranovski também mostra excelente desempenho como David, em especial em seu longo, belo e revelador monólogo final. Alexandre Mofati (Beto) defende com dignidade um personagem com poucas possibilidades, o mesmo ocorrendo com Verônica Reis (Regina). Gabriela Estevão evidencia sensibilidade encarnando a apaziguadora Debora, mas creio que precisa ficar atenta para sua voz não descambar com tanta frequência para o agudo. Karen Coelho materializa com vigor e paixão a inconformada Clara, exibindo grande presença cênica. Vicente Coelho convence no impetuoso Flávio, mas talvez possa diminuir um pouco seu volume vocal, que me parece um tanto exagerado.

Na equipe técnica, considero corretas as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta séria e digna empreitada teatral - Nello Marrese (cenografia), Bruno Perlatto (figurinos) e Renato Machado (iluminação).  

SILÊNCIO! - Texto de Renata Mizrahi. Direção de Mizrahi e Priscila Vidca. Com Suzana Faini, Karen Coelho, Verônica Reis, Jitman Vibranovski, Alexandre Mofati, Vicente Coelho e Gabriela Estevão. Teatro Sesc. Quinta a sábado, 20h30. Domingo, 19h.






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