quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Meu Deus!"

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Deus deprime, mas se trata



Lionel Fischer



Se Deus existe ou não, isso depende da crença pessoal de cada um. Mas supondo que exista e que, tendo feito o homem à sua imagem e semelhança, nada mais natural que eventualmente padeça de algumas agruras inerentes à espécie que criou, dentre elas a depressão. E estando deprimido, a quem Deus poderia recorrer? Trata-se de intrincada questão, não resta dúvida, mas aqui o Todo Poderoso encontra uma solução, digamos, prosaica e caseira: desce à Terra e marca uma consulta com uma psicóloga.

Eis, em resumo, o enredo de "Meu Deus!", da dramaturga israelense Anat Gov. Após cumprir bem-sucedida temporada de quatro meses em São Paulo, a peça acaba de entrar em cartaz no Teatro dos Quatro. Contando com adaptação de Jorge Schussheim, tradução de Eloísa Canton, versão de Célia Regina Forte e direção de Elias Andreato, a montagem traz no elenco Irene Ravache (Ana), Dan Stulbach (Deus) e Pedro Carvalho (Paulo) - este último filho de Ana e portador, ao que me pareceu, de autismo.

Muitos sustentam que uma boa ideia é determinante para o sucesso de qualquer empreendimento artístico. Particularmente, não acredito nisso, pois o que determina o êxito de qualquer projeto depende muito mais da forma como é desenvolvido do que da ideia que lhe deu origem. 

No presente caso, estamos diante de uma ótima ideia, que a autora desenvolve de forma brilhante e com irresistível humor até a metade do texto - há toda uma série de observações impagáveis, sendo a melhor delas o momento em que a psicóloga, após ser informada por Deus de que ele não tivera nem pai nem mãe, o informa que não poderá tê-lo como paciente, já que alguém que não tenha tido mãe "não pode fazer análise" (a frase talvez não seja exatamente essa, mas o sentido, sim).  

No entanto, em sua segunda metade, o texto assume conotações sérias, e os saborosos, divertidos e críticos diálogos são substituídos por graves considerações e questionamentos, a tal ponto que, em dado momento, Deus chega às lágrimas. Esta mudança de rumo, que a autora talvez tenha acreditado que conferiria maior consistência ao texto, me parece sua maior falha, pois fica realmente muito difícil embarcar nas emoções pretendidas da forma como foram materializadas.

Com relação ao espetáculo, Elias Andreato impõe à cena uma dinâmica simples, basicamente atrelada ao desempenho dos atores - postura sábia, sem dúvida, pois uma peça dessa natureza dispensa inócuas mirabolâncias formais. E sua atuação junto ao elenco pode ser considerada irrepreensível. Atores deslumbrantes, Irene Ravache (que a cada dia que passa consegue o prodígio de ficar ainda mais linda) e Dan Stulbach exibem ótima contracena e irretocável tempo de comédia, valorizando ao máximo o potencial dos personagens que interpretam, com Pedro Carvalho compondo de forma sensível o jovem autista Paulo.

Na equipe técnica, não posso avaliar a adaptação de Jorge Schussheim e a versão de Célia Regina Forte, pois não conheço o original. Mas é excelente a tradução de Eloísa Canton, sendo corretas as contribuições de Antonio Junior (cenário), Fause Haten (figurino), Wagner Freire (iluminação) e Jonatan Harold (trilha sonora).

MEU DEUS! - Texto de Anat Gov. Direção de Elias Andreato. Com Dan Stulbach e Irene Ravache. Teatro dos Quatro. Quinta e sexta, 21h30. Sábado às 19h e 21h30. Domingo às 18h30.









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