quarta-feira, 11 de junho de 2014

Teatro/CRÍTICA

"O comediante"

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Indecisões comprometem válida proposta



Lionel Fischer



"Este texto é uma referência crítica à indústria cultural do entretenimento, transitando pelo universo cômico e pelo drama psicológico de um ator que, enfeitiçado pela própria imagem, cria um mundo paralelo à sorte da sua loucura, numa época em que a mídia torna o sujeito descartável, os atores são transformados em produto e, desta forma, substitui o velho pelo novo, o feio pelo belo".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima, escrito pelo autor Joseph Meyer, sintetiza as premissas que o levaram a escrever sua peça de estreia, "O comediante", em cartaz no Teatro Clara Nunes. A encenação caberia ao inesquecível José Wilker, mas como este faleceu ainda no início dos ensaios, Anderson Cunha (que me parece que exercia a função de diretor assistente) acabou assumindo a direção da montagem. No elenco, Ary Fontoura, Angela Rebello, Gustavo Arthiddoro e Carol Loback.

Pelo expresso no parágrafo inicial, estamos diante de um tema que, sem ser novo, nem por isso carece de pertinência e atualidade. E o mesmo se aplica ao enredo. Há cerca de 20 anos condenado ao mais absoluto ostracismo, o protagonista Walter Delon teria sido, no passado, um ator de primeira grandeza. Mas o longo e forçado afastamento o leva a um estado de permanente oscilação entre loucura e lucidez.

Objetivando tirar partido deste estado, Norma (ex-camareira de Walter e que atua como uma espécie de governanta), e Eric (inescrupuloso empresário do antigo astro), contratam a jornalista Júlia para escrever a biografia do ator, ao que parece a única possibilidade de ainda auferir dividendos de uma personalidade esfacelada - mas tal conluio só é explicitado na parte final do texto, quando seus potenciais méritos já se encontram muito comprometidos por algumas indecisões e também pela linha adotada pela direção.

Com relação às mencionadas indecisões, o fato de o autor ter optado por mesclar humor e dramaticidade nada tem de grave. Ocorre, no entanto, que o primeiro terço do material dramatúrgico é tão centrado no humor que se torna difícil embarcar nas passagens mais dramáticas, ainda que protagonizadas por um ator de exceção como Ary Fontoura. E o mesmo se dá com a encenação.

A primeira aparição de Norma, por exemplo, propositadamente hierática e caricatural, sugere que estamos na iminência de assistir a uma paródia de textos centrados em uma atmosfera de suspense, quem sabe até com possibilidades de eventuais crimes - torna-se literalmente impossível não achar engraçada a forma como Angela Rebello articula o texto e trabalha o universo gestual. 

Em contrapartida, os atores que interpretam Eric (Gustavo Arthiddoro) e Júlia (Carol Loback) adotam uma linha de interpretação absolutamente naturalista, o que os torna muito menos atraentes do que os outros dois intérpretes. Seja como for, qual terá sido o objetivo de tal contraste? Sugerir que Norma é tão insana quanto seu patrão? Sinceramente não sei.

No tocante a Ary Fontoura, já disse acima que o considero um ator de exceção, e portanto capaz de interpretar com o mesmo brilho papéis dramáticos, cômicos ou trágicos. E aqui ele exibe muitos dos seus maravilhosos predicados, só que um tanto minimizados pelas já mencionadas indefinições tanto do texto quanto da linha adotada pela direção. 

Ainda assim, cabe registrar a forma esplêndida como Ary Fontoura canta e sua enorme capacidade de entrega nos momentos em que o personagem se deixa dominar por devaneios impregnados de nostalgia, revolta ou desejos que jamais haverão de se materializar - nesses monólogos, assim como nas passagens mais voltadas para o humor, Joseph Meyer revela um bom potencial como dramaturgo, que espero ver mais desenvolvido em seu próximo texto.

Na equipe técnica, José Dias assina uma cenografia elegante, em total consonância com o contexto, a mesma eficiência aplicando-se aos figurinos de Marília Carneiro. Marcelo Alonso Neves responde por expressiva trilha sonora original, com Maneco Quinderé iluminando a cena de forma sensível e diversificada, contribuindo decisivamente para valorizar os múltiplos climas emocionais em jogo. Com relação à direção de movimento de Marcia Rubin, esta se faz presente em especial nas atuações de Ary Fontoura e Angela Rebello, que executam de forma primorosa o que suponho que foi exaustivamente ensaiado.

O COMEDIANTE - Texto de Joseph Meyer. Direção de José Wilker e Anderson Cunha. Com Ary Fontoura, Angela Rebello, Gustavo Arthiddoro e Carol Loback. Teatro Clara Nunes. Quinta e sexta, 21h30. Sábado, 21h. Domingo, 20h. 








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