sexta-feira, 20 de junho de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Às terças"

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Hilária e pertinente comédia



Lionel Fischer



"Quatro mulheres frequentam o mesmo terapeuta, conversam muito entre as consultas e depois de algum tempo percebem que estão mais calmas e felizes, mas não pela terapia em si, e sim pelas confidências trocadas na sala de espera. Assim, abandonam o terapeuta e passam a se encontrar sempre às terças-feiras, reservadamente, num velho parque de diversões desativado, com o objetivo de se ouvir e se ajudar".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Às terças", de autoria de Marcélli Oliveira. Em cartaz no Teatro dos Quatro, a montagem chega à cena com direção de Alexandre Contini e elenco formado por Gottsha, Stela Maria Rodrygues, Carina Sacchelli e Marcélli Oliveira.

As quatro mulheres em questão, que se deram alta em suas terapias, exibem personalidades e questões diversas. Velma, a mais jovem, perdeu um grande amor aos 18 anos e a partir daí, certamente por não ter conseguido fazer o indispensável luto, só consegue se relacionar com homens problemáticos. Jandra, acossada por diversificadas manias e hipocondríaca exemplar, é uma mulher solitária que se defende da vida medicando-se a todo momento. 

Berenice sugere materializar a mulher perfeita - cronista famosa, linda, rica e...magra. Mas finalmente uma revelação - que por razões óbvias tenho que ocultar - nos mostra que ela não é exatamente o que parece. Finalmente, Laura, a mais velha do grupo, é casada com um homem dez anos mais moço e não mede esforços para estar sempre linda em sua presença - fenômeno bastante comum em nossa época, quando a epiderme se sobrepõe cada vez mais à alma.

Em sua primeira metade, a peça explicita detalhes pessoais das personagens e pequenos conflitos decorrentes da história de cada uma delas e das relações que mantêm entre si. Na segunda metade, a partir da revelação de que Laura padece de uma doença terminal, o texto ganha uma dimensão maior, pois aí a autora investe em algo que me parece essencial: a urgente e inadiável necessidade de vivermos cada minuto como se fosse o último. No presente caso, a doença terminal de Laura serve como um elemento disparador não apenas de uma reflexão sobre a realidade das personagens, mas fundamentalmente possibilita que elas empreendam salutares transformações.

Estamos, portanto, diante de um texto cujo tema central é de inegável pertinência. Cabe também ressaltar a capacidade da autora de criar bons personagens e diálogos de grande fluência, não raro muito engraçados. Mas mesmo tendo objetivado escrever uma comédia, acredito que Marcélli Oliveira poderia ter reduzido um pouco os momentos centrados unicamente em piadas, que não raro consomem um tempo excessivo.

Com relação ao espetáculo, Alexandre Contini impõe à cena uma dinâmica em sintonia com o material dramatúrgico, valendo-se de marcações que, em sua maioria, traduzem com eficiência os conteúdos em jogo. E cabe também ressaltar seu bom trabalho junto às intérpretes. 

Carina Sacchelli tem o tipo físico perfeito para viver a linda Berenice e a atriz trabalha muito bem a futilidade da personagem, exibindo a mesma eficiência quando ela é desmascarada. Marcélli Oliveira (Velma) também convence na pele da jovem aparentemente descolada e disposta a viver alegremente seu constante inferno amoroso, mas no fundo carente e ávida por voltar a viver um grande amor - este é mencionado perto do final, e aí a atriz demonstra a fragilidade da persona que tentava sustentar.

Gottsha, em seu primeiro espetáculo em que não canta - o que não deixou de me causar uma certa orfandade - encarna Laura com grande sensibilidade, o que me faz acreditar que possa estar iniciando uma bela trajetória como intérprete. Quanto a Stela Maria Rodrygues, sua Jandra é absolutamente irresistível. Comediante por excelência, a atriz valoriza ao máximo todas as possibilidades da personagem, cabendo ressaltar não apenas sua habilidade no que diz respeito ao texto articulado, mas também sua impagável composição física.

Na equipe técnica, Lorena Lima assina uma cenografia que, sem deixar de ser atraente, me parece sobrecarregada de signos - não seriam necessários tantos para que acreditássemos que a maior parte da ação se passa num parque de diversões desativado. Sol Azulay responde por figurinos em sintonia com a personalidade e condição social das personagens, com Daniela Sanches iluminando a cena de forma a ressaltar os múltiplos climas emocionais em jogo.

ÀS TERÇAS - Texto de Marcélli Oliveira. Direção de Alexandre Contini. Com Gottsha, Stela Maria Rodrygues, Marcélli Oliveira e Carina Sacchelli. Teatro dos Quatro. Terças e quartas, 21h.

      

   





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