quinta-feira, 13 de março de 2014

Teatro/CRÍTICA

"A toca do coelho"

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Bela abordagem de uma perda irreparável


Lionel Fischer



Como sabemos, de todas as dores possíveis a perda de um filho é sem dúvida a mais dilacerante. E é ela a mola propulsora do presente texto. Há oito meses um casal perde seu filho de quatro anos, atropelado involuntariamente por um jovem. Numa tentativa desesperada de sobreviver ao impacto, a mãe tenta apagar os vestígios da criança, doando suas roupinhas, brinquedos, desenhos etc. Já o pai tem uma atitude oposta, daí advindo o conflito básico entre ambos.

Ao mesmo tempo, ficamos sabendo que a irmã da mulher está grávida e que a mãe de ambas também perdeu um filho. Quanto ao jovem atropelador, este faz o que pode para ter um contato com os pais, certamente atormentado pela culpa que o devora. A mãe se mostra propensa a um encontro com ele, mas o pai rejeita esta possibilidade. 

Eis, em resumo, o contexto de "A toca do coelho", de autoria do norte-americano David Lindsay-Abaire. Dan Stulbach assina a direção da montagem, que após cumprir bela temporada em São Paulo pode ser assistida no Teatro do Leblon. Simone Zucato responde pela tradução e Alessandra Pinho pela adaptação, estando o elenco formado por Maria Fernanda Cândido, Reynaldo Gianecchini, Selma Egrei, Simone Zucato e Felipe Hintze. 

Como creio já ter deixado explícito, o principal conflito advém das diferenciadas posturas adotadas pelos pais. Mas restaria mencionar as conseqüências básicas de tais posturas. A mãe se torna uma mulher amarga, os nervos à flor da pele e totalmente fechada a qualquer contato físico com o marido. Este, ao contrário, luta desesperadamente para que ambos retornem à normalidade - dentro do possível, naturalmente. Mas a batalha se afigura como perdida. 

Entretanto, após ter uma longa conversa com o atropelador, que demonstra sua inabalável crença na existência de universos paralelos - o que implica na possibilidade de todos poderem viver vidas simultâneas - a mãe adota uma postura que parece indicar que está disposta a reverter o amargo quadro em que mergulhara e, quem sabe, reunir forças para novamente acreditar na vida. 

Bem escrito, contendo bons personagens, diálogos fluentes e reflexões mais do que pertinentes sobre diversificados temas - amor, morte, perdas e culpa, dentre outros - a peça recebeu segura versão cênica de Dan Stulbach. Abstendo-se de criar inócuas mirabolâncias formais, o diretor investiu todas as suas fichas no trabalho do elenco, dele extraindo atuações capazes de valorizar todos os conteúdos em jogo.

Maria Fernanda Cândido exibe ótima atuação na pela da amargurada protagonista, conseguindo transmitir toda a dor de uma mãe privada de seu filho e desenhando com precisão a curva final que a leva novamente a acreditar na possibilidade de um recomeço. A mesma eficiência se faz presente na performance de Reynaldo Gianecchini - o ator nos convence em todos os momentos, tanto naqueles em que busca suavizar o desespero da esposa quanto nas passagens em que o próprio desespero o domina. Provavelmente, Gianecchini exibe aqui a melhor atuação de sua carreira.

Simone Zucato extrai todas as possibilidades da personagem da irmã, uma mulher intempestiva e aparentemente leviana, mas nem por isso isenta de sabedoria. Selma Egrei (cada vez mais linda) valoriza ao máximo a mãe, provocando risos com seu linguajar eventualmente chulo e grande emoção nos momentos em que relembra a perda do filho. Finalmente, Felipe Hintze trabalha muito bem as nuances de seu personagem, que oscila entre a culpa e seu desejo de redenção. 

Com relação à equipe técnica, Simone Zucato assina ótima tradução, a mesma eficiência presente nos figurinos de Adriana Hitomi, na trilha sonora de Daniel Maia, na preparação corporal de Leandro Oliva e na luz de Marisa Betenvegna. Quanto ao cenário de André Cortez, embora belo este me pareceu um tanto apertado no palco do Teatro do Leblon - é possível que o espaço em São Paulo fosse mais amplo. E o pouco espaço também compromete o impacto pretendido com os vídeos de Bijari, que mal conseguem ser vistos.

A TOCA DO COELHO - Texto de David Lindsay-Abaire. Direção de Dan Stulbach. Com Maria Fernanda Cândido, Reynaldo Gyanecchini, Selma Egrei, Simone Zucato e Felipe Hintze. Teatro do Leblon. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 18h. 

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