quinta-feira, 27 de março de 2014

Diferentes tipos de desempenho

Michael Chekhov

TRAGÉDIA

O que acontece a um ser humano quando ele, por alguma razão, passa por experiências trágicas (ou heróicas)? Sublinharemos apenas uma característica de tal estado de espírito: ele sente como se as fronteiras comuns de seu ego fossem derrubadas; sente que tanto psicológica quanto fisicamente está exposto a certas forças que são muito mais fortes, muito mais poderosas do que ele próprio. Sua experiência trágica chega, toma posse de si e abala todo o seu ser. Sua sensação, reduzida a palavras, pode ser descrita como: "algo poderoso está agora presente lado a lado comigo, e isso é independente de mim no mesmo grau em que sou dependente disso". Essa sensação permanece, quer seja causada por um conflito trágico interno, como no caso dos principais conflitos de Hamlet, quer o golpe provenha de fora e seja ocasionado pelo destino, como no caso do Rei Lear.

Em suma, uma pessoa pode sofrer intensamente, mas a intensidade do sofrimento, por si só, é drama e ainda não é tragédia. A pessoa deve também sentir essa poderosa presença de "Algo" a seu lado, antes que seus sofrimentos possam ser genuinamente qualificados de trágicos. Desse ponto de vista, não concordariam que Lear causa uma impressão verdadeiramente trágica, ao passo que Gloucester suscita uma um tanto dramática?

Vejamos agora que sentido prático tal interpretação do estado de espírito trágico pode ter para nós, atores. A investigação é extremamente simples. Tudo o que um ator tem a fazer quando prepara um papel trágico é imaginar, em todo o tempo em que estiver no palco (ensaiando ou, depois, diante do público), que "Alguma coisa" ou "Alguém" está a segui-lo, "Alguma coisa" ou "Alguém" que é muitíssimo mais poderoso do que sua personagem ou do que ele próprio. Deve ser uma espécie de Presença sobre-humana!

O ator deve consentir que esse espectro, fantasma ou aparição atue através da personagem que o inspira. Assim fazendo, o ator não tardará em realizar uma agradável descoberta, a de que não precisa exagerar seus movimentos nem suas falas. Tampouco necessita se enfurnar psicologicamente por meios artificiais ou recorrer a um páthos vazio a fim de conseguir grandeza, as verdadeiras dimensões de um estado de espírito trágico. Tudo acontecerá por si mesmo.

Seu Doppelgänger (literalmente, o sósia), seu fantasma, estando de posse de poderes e sentimentos sobre-humanos, cuidará de tudo isso. O desempenho do ator permanecerá verdadeiro sem se tornar tão confrangedoramente "natural" que perca todo o seu sabor trágico e sem se tornar aflitivamente artificial por causa de excessivos esforços para "desempenhar" naquele estilo grandiloqüente que toda a tragédia exige dele.

A espécie de Presença sobre-humana que o ator pressente numa dada circunstância deve ser deixada inteiramente à mercê de sua imaginação livre e criativa. Pode ser um gênio bom ou mau, feio e vingativo ou heróico e belo; pode ser ameaçador, perigoso, perseguidor, deprimente ou consolador. Tudo depende da peça e da personagem. Em algumas peças, os próprios autores tornaram essas Presenças tangíveis, como as Fúrias nas tragédias gregas, as bruxas em Macbeth, o espectro do pai em Hamlet, Mefistófeles no Fausto, etc.

Mas, sejam indicadas ou não pelo autor, o ator fará bem em criá-las ele mesmo, a fim de sintonizar sua estrutura psicológica naquele tom que o habilitará a interpretar papéis trágicos. Tente fazer essa experiência e verá como se acostuma depressa à sensação de tal Presença a seu lado. Em pouco tempo não haverá sequer a necessidade de pensar nela. Você sentirá apenas que está capacitado para interpretar tragédias com perfeita liberdade e verdade. Jogue livremente com a Presença que inventou; deixe que ela o siga ou o preceda, que caminhe a seu lado ou mesmo voe acima de sua cabeça, de acordo com a missão que quer que ela cumpra.





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