domingo, 1 de setembro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Elefante"

.....................................................................................
Pertinentes reflexões sobre a vida e a morte


Lionel Fischer


Um dos maiores medos que assolam a humanidade é a morte. Assim, soaria como ideal um tempo em que ninguém morresse de morte natural. Aqui os habitantes tomam pílulas a partir dos 25 anos, só passando desta para melhor - ou pior, dependendo do ponto de vista - em função de algum acidente. No entanto, um belo dia um jovem fotógrafo de 65 anos (com aparência de vinte e poucos) se rebela, abandona a mulher e os pais e vai para a ilha de Sêneca (apropriada homenagem ao filósofo que defendia a felicidade), único lugar do planeta onde as pessoas não tomam a tal pílula e por isso envelhecem e morrem normalmente

Após dez anos de voluntário exílio, ele reaparece, com aparência de um homem de 70 anos. E em seu reencontro com a ex-mulher e com seus pais suscita algumas pertinentes reflexões. Cabe também salientar que, independentemente da idade que possuam, as pessoas não exibem em seus corpos a passagem do tempo.

Eis, em resumo, o enredo de "Elefante", de autoria de Walter Daguerre, que acaba de estrear no Espaço Sesc. Com direção e argumento de Igor Angelkorte, a mais recente produção da Probástica Cia. de Teatro chega à cena com elenco formado por Samuel Toledo (pai), Chandelly Braz (mãe), Lívia Paiva (Lúcia, esposa de Francisco), Igor Angelkorte (Francisco jovem) e Fernando Bohrer (Francisco velho).

Como sabemos, incontáveis obras já foram escritas tendo a morte como tema ou em algum momento abordando-o. No célebre monólogo "Ser ou não ser...", por exemplo, Shakespeare faz o príncipe da Dinamarca sustentar que o temor da morte é que nos faria suportar todas as desditas desta vida. Em contrapartida, em seu romance "Todos os homens são mortais", Simone de Bouvoir conclui que é a finitude que dá algum sentido à vida - ela também trata de outros temas, mas não cabe aqui enumerá-los.

Em "Elefante", para mim fica óbvio que Walter Daguerre escreveu uma obra com maior parentesco com a da autora francesa. No mundo atual, tomamos uma infinidade de pílulas, algumas delas destinadas a prolongar a vida ou adiar ao máximo a evidência do envelhecimento. Mas se um dia chegarmos à pílula em questão, é possível que a angústia da morte desapareça. No entanto, resta saber como haveríamos de lidar com a angústia de uma vida desprovida de urgências, na qual o tempo não desempenharia o papel que lhe cabe, que é basicamente o de nos conscientizar de que a materialização de nossos sonhos depende de impulsos que não podem ser eternamente adiados. 

Bem escrito, contendo bons personagens e empreendendo reflexões mais do que pertinentes sobre a vida, a morte, o amor e as relações familiares, dentre outros temas, "Elefante" recebeu segura versão cênica de Igor Angelkorte, que explora com a mesma eficiência tanto as passagens mais dramáticas quanto aquelas em que o humor predomina, cabendo ainda ressaltar que conseguiu impor à cena uma atmosfera que, em muitos momentos, nos remete apropriadamente ao chamado Teatro do Absurdo.

Quanto ao elenco, todos os atores exploram ao máximo as possibilidades dos personagens que interpretam, defendendo-os com extremo vigor e sensibilidade, além de exibirem irretocável contracena, o que confere ao conjunto uma unidade que contribui para ressaltar as evidentes qualidades do texto.

Com relação à equipe técnica, André Sanches assina uma cenografia muito interessante e expressiva, posto que a maioria dos elementos sugerem ossos, partes de um hipotético esqueleto, o que reforça o caráter algo ancestral do contexto. Renato Machado ilumina a cena valorizando todos os conteúdos implícitos, o mesmo aplicando-se à direção musical de Felipe Storino, sendo corretos os figurinos de Ronald Teixeira.

ELEFANTE - Texto de Walter Daguerre. Direção e argumento de Igor Angelkorte. Com a Probástica Cia. de Teatro. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 20h30. Domingo, 18h30.   





Nenhum comentário:

Postar um comentário