quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Amor e ódio em sonata"

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Texto e montagem apaixonantes

Lionel Fischer


"A vida de Leon Tolstói, autor dos famosos romances 'Guerra e Paz' e 'Ana Karenina', entre outros, assemelhava-se a um verdadeiro folhetim, repleto de paixões, intrigas, disputas pelo poder e lances dramáticos. O recorte escolhido para a peça é o da história do embate entre as duas mulheres mais atuantes na vida de Tolstói - a mulher Sônia, com quem viveu por 48 anos e teve 13 filhos; e Sasha, filha eleita como a voz autorizada do escritor (ela tomou o lugar da mãe como secretária particular e responsável pelas transcrições da obra do pai). No centro do conflito, um testamento feito por Tolstói, em que doava, em detrimento de sua família, os direitos de toda a sua obra literária a um discípulo e amigo íntimo chamado Vladimir Chertkov".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Amor e ódio em sonata", em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal. Baseado no livro "Amor e ódio" (William Shirer) e nos diários da família Tolstói, o texto de Leonardo Talarico (também responsável pela concepção e direção do espetáculo, que contou com a supervisão de Amir Haddad) chega à cena com elenco formado por Amandha (Sônia) e Juliana Weinem (Sasha), integrantes, ao lado do encenador, da Os Insubmissos Companhia Crítica de Teatro.

Como se sabe, Tolstói (1828-1910) é considerado um dos maiores escritores russos - título que divide, a meu ver, com Dostoiévski (1821-1881). Mas o que talvez muitos desconheçam, como já dito no parágrafo inicial, foram as muitas atribulações de sua vida. E a opção de Leonardo Talarico de eleger como tema central da trama a terrível relação entre mãe e filha ganha contornos altamente dramáticos, pois o que está em causa não se resume a uma ferrenha disputa pelo amor do escritor, mas também pelo acesso mais íntimo à sua obra. E a progressiva vitória de Sasha contribui decisivamente 
para agravar os sintomas de histeria de Sônia, que a levam a um estado praticamente de loucura e a sucessivas tentativas de suicídio, ainda que algumas apenas simuladas.

Fruto de riquíssima e vasta pesquisa, o texto de Leonardo Talarico merece ser considerado brilhante, tal a profundidade que atinge no retrato de duas personalidades tão complexas e diversificadas. E tal mérito fica ainda mais ressaltado pela estrutura adotada: ao longo de quase toda a peça, as personagens não se falam diretamente - o fazem para o público, como se dele esperassem obter cumplicidade. Apenas no final há um encontro direto entre ambas, quando todas as suas diferenças e mágoas são momentaneamente esquecidas em função do falecimento do escritor.

Em função de tal estrutura, Talarico impõe a cena um desenho simples e ao mesmo tempo sofisticado, investindo basicamente no trabalho das intérpretes. E este é simplesmente irrepreensível, com ambas as atrizes exibindo impecáveis performances tanto vocais como corporais, afora uma visceral capacidade de entrega às personagens. E aqui cabe salientar que tanto Amandha como Juliana Weinem atuam numa chave que, se mal executada, descambaria para o dramalhão, o que felizmente não acontece, o que só contribui para demonstrar que paixões avassaladoras podem ser materializadas sem que o ridículo se faça presente. Às duas, portanto, parabenizo com o mesmo entusiasmo, assim como a Talarico por sua evidente contribuição no processo que permitiu às atrizes exibirem performances tão marcantes. 

Na equipe técnica, Leysa Vidal assina uma iluminação brilhante, posto que consegue enfatizar com notável sensibilidade todos os climas emocionais em jogo. A mesma eficiência se faz presente na cenografia e figurinos de Marcelo Marques e na trilha sonora do diretor. Gostaria também de destacar a precisão dos operadores de luz e som, André de Carvalho e Marcus Ângelo, respectivamente.

AMOR E ÓDIO EM SONATA - Texto e direção de Leonardo Talarico. Supervisão de Amir Haddad. Com Juliana Weinem e Amadha. Centro Cultural Justiça federal. Quarta e quinta, 19h.  

   

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