quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Pereira, Vicente (1949 - 1993)


Biografia
Vicente Paulo Pereira (Uberlândia MG 1949 - Brasília DF 1993). Autor, ator, figurinista, cenógrafo e artista plástico. Um dos autores e fundadores do chamado teatro besteirol, Vicente Pereira escreve na maioria das vezes esquetes em que explora o lado bizarro da cultura e das personagens da classe média brasileira, aliando me-lodrama a comédia popular.

Inicia a carreira, em 1969, como figurinista, ambientador e assistente de direção de Sylvia Orthof, na Oficina de Teatro do Sesi de Taguatinga, em espetáculos de teatro de bonecos - entre eles, Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, e Prometeu Acorrentado, de Ésquilo. Como ator no Teatro Operário, que se apresenta nas cidades-satélites da capital federal. Trabalha na ambientação de shows do grupo Secos e Molhados, em 1974, e de Ney Matogrosso, em 1975.

Suas primeiras peças, que permanecem inéditas, são censuradas. A Estrela Dalva, de 1975, que chega a ser ensaiada, é uma metáfora da repressão por meio de uma jovem que tem o rosto queimado pela mãe como meio de impedi-la de ser atriz. Estelinha By Starligth, de 1976, uma crítica à classe média, conta a história de uma família em que a mãe, que faz quitutes para vender, acaba recheando pastéis com carne do namorado da filha.

Sua primeira peça encenada, À Direita do Presidente, 1980, tem parceria com Mauro Rasi e trama que envolve um cabeleireiro e uma dama de Brasília trocando confidências e fofocas enquanto ele prepara a mulher para a posse do presidente da república. Em seguida, com a mesma parceria, escreve o musical As Mil e Uma Encarnações de Pompeu Loredo, que estréia também em 1980.
Depois de escrever novamente com outros autores, Doce Deleite, em parceria com Mauro Rasi e Alcione Araújo - espetáculo de sucesso com Marco Nanini e Marília Pêra - e In Certos Casos, uma coletânea de textos dele, de Luiz Fernando Veríssimo, Mauro Rasi e Wilson Sayão, ambos em 1981, estréia seu primeiro texto solo, A Noite do Oscar, 1982, sobre um grupo de amigos que se reúne para assistir à entrega do prêmio norte-americano de cinema, com direção de Luiz Carlos Ripper

O crítico Yan Michalski analisa o texto: "Vicente Pereira, que nas comédias anteriores, escritas de parceria com Mauro Rasi, já havia revelado capacidade de construir um clima de fantasia punk, grotesca, juvenil e meio místico-sobrenatural, sustenta nesta sua primeira obra autônoma as mesmas características, envoltas no mesmo charminho fresco e superficial, afinado com modismo da juventude in, que constituía a marca registrada da dupla agora desfeita. E a sua facilidade para escrever um diálogo leve e engraçado, repleto de humor sui generis e enquadrado nas peculiaridades da fantasia acima mencionada, é de tal ordem que não há como negar que estamos diante de um comediógrafo talentoso e original. 

Por outro lado, debaixo do manto da fantasia, ele arrisca aqui uma tentativa que não chegava a levantar voo nas obras da dupla: a de satirizar com certa seriedade e compaixão o medíocre cotidiano dos personagens, mostrar o vazio das suas vidas, a sua alienação, o descompasso entre o brilho escapista dos seus sonhos e a decadente mesquinhez da sua realidade".1

O crítico acrescenta que o dramaturgo por ainda não ter domínio completo sobre a construção da narrativa, cria uma obra irregular: inicia bem na introdução das personagens e da situação-base da peça, mas perde dramaticidade no desenrolar da trama, já que a ação permanece estática, diluindo assim o interesse do espectador.

Em 1982, escreve para o travesti Rogéria o roteiro do show Rio Gay, sob a direção de Jorge Fernando. No ano seguinte, trabalha como ator em Cloud Nine - Numa Nice, de Carryl Churcill, ao lado de Louise Cardoso e Diogo Vilela.

Seguem-se outras parcerias e esquetes para Miguel Falabella e Guilherme KaramFinalmente Juntos e Finalmente ao Vivo, 1984; Pedra, a tragédia, 1985; ambos com Miguel Falabella e Mauro Rasi, e, no mesmo ano, para Classificados Desclassificados, com autoria sua, de Luiz Carlos Góes, Maria Lucia Dahl e Miguel Falabella, escreve os esquetes Detetive Santos e Aula de Dança, dirigido por Jacqueline Laurence.

Em 1986, estréia novo texto solo, A Divina Chanchada, musical composto de quatro histórias, alinhavadas por um tênue pano de fundo, em que o autor procura homenagear antigos sucessos do cinema nacional da Atlântida, incluindo diversas citações a produções americanas comoContatos Imediatos do Terceiro GrauA Noviça Rebelde e a série James Bond, com linguagem inspirada na féerie musical do teatro de revista de Walter Pinto e Carlos Machado. Segundo o crítico Flávio Marinho, o problema da falta de fôlego no desenvolvimento das situações volta a aparecer.

Com Miguel Falabella escreve As Sereias da Zona Sul, 1988. Para este espetáculo, considerado um dos grandes momentos do besteirol, escreve os esquetes Cristal Japonês e As Plumas de Avalon. Em 1990, estreia Solidão, a Comédia, um solo de cinco histórias. A peça ganha duas montagens: a primeira em 1990, sob a direção de Jorge Fernando, cenografia de Luiz Carlos Ripper, com o próprio Vicente representando os esquetes. E a segunda, em 1991, com Diogo Vilela e direção de Marcus Alvisi. As histórias mostram, um rapaz que espera pela namorada dentro do cinema e confunde a história do filme com a sua, uma prostituta decadente e sábia, uma socialite às voltas com sua vaidade, uma alcoólatra sadomasoquista e uma velha que presta tributo à amizade.

Entre 1990 e 1991, Vicente escreve suas últimas peças: Colar de Diamantes, livre adaptação do conto de Guy de Maupassant; Piano Bar a história da relação entre o pianista e uma cantora de cabaré; e O Karma Cor-de-rosa, sua derradeira peça que é encenada em 2003, dez anos após sua morte, por Sylvia Bandeira e Marcus Alvisi.

Lança Com Minha Mãe Estarei, com direção de Jorge Fernando, em 1993. No mesmo ano, o texto estréia no Rio de Janeiro com o título Uma Viagem Muito Louca. A sinopse da peça gira em torno de três personagens femininas - a independente Lucy (Yoná Magalhães), a caça-maridos Marluce (Stella Freitas) e uma tia religiosa (Ida Gomes) - que percorrem uma trilha que dará no lugar em que aparece uma santa. Junta-se ao trio, no meio do caminho, o matuto Ribamar (Tuca Andrada). Recordações, risos e balanços existenciais floreiam o texto. Ainda em 1994, Marcus Alvisi dirige Diogo Vilela no esquete Não se Fuma em Cingapura, um dos cinco esquetes de 5 X Comédia, que Vicente assina junto com Mauro Rasi, Pedro Cardoso, Luis Fernando Veríssimo e Hamilton Vaz Pereira, este último, diretor geral do espetáculo que faz longa carreira com os comediantes Pedro Cardoso, Débora Bloch, Diogo Vilela, Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães.

Vicente atua também na televisão, onde é roteirista dos programas Armação Ilimitada e TV Pirata. Para o cinema teve adaptada a sua peça Espelho de Carne, filme dirigido por Antônio Carlos Fontoura, em 1984. Colabora também no roteiro de Dias Melhores Virão, de Cacá Diegues, em 1990 e Lili, estrela do crime, de Lui Faria, em 1988.

Vicente Pereira é considerado, juntamente com Mauro Rasi, Miguel Falabella e Pedro Cardoso, integrante e fundador do teatro besteirol, movimento marcante do teatro carioca na década de 1980.
Por ocasião de sua morte, escreve seu parceiro de trabalho, Miguel Falabella: "(...) Eu devo muito a Vicente Pereira. Na verdade, toda uma geração de autores, atores e espectadores deve muito a ele. De certa forma, foi ele quem ensinou o teatro brasileiro a rir novamente, depois dos anos de chumbo. Um riso amargo, afetuoso, pontilhava seus diálogos e havia um olhar generoso que en-volvia suas personagens, porque em última análise, Vicente Pereira gostava de gente. Gostava muito. Foi ele quem abriu caminho para que pudéssemos resolver nossa própria sucata com carinho. Certa vez ele disse a Maria Padilha: 'Não é que eu só admita a comédia, mas juntar muitas pessoas num teatro e não ouvir um único riso? Isto me parece um desperdício de vida!" Vicente Pereira era um menino. Um menino que buscava Deus. E que descobriu, em sua imensa sabedoria, que Deus está muito mais próximo do riso do que do pranto. Que a raiz de toda e qualquer religio-sidade é a celebração. E é celebrando que lembro dele. Na platéia do teatro, assistindo a meu pri-meiro espetáculo com Guilherme Karan, espelhando sua gargalhada gostosa; nos restaurantes, co-mendo com a voracidade e um prazer de lobo. Durante uma década, ele esteve a meu lado, nos melhores momentos, daqueles de guardar na gavetinha... Agora, ele não está mais aqui. Isso sim me parece um desperdício de vida. (...) Vicente foi amigo, foi mestre, foi um pouco pai espiritual de todos nós. Metia-se em tudo. Foi sacerdote, discípulo, usou túnicas, fardas, era uma explosão de alaranjados, vermelhos e amarelo ouro. A chegada dele, em qualquer lugar, era um nascer do sol' ".2

Notas
1. MICHALSKI, Yan. Uma solene Noite de Oscar, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 05 mar. 1982.
2. FALABELLA, Miguel. Crônica sobre Vicente Pereira. Rio de Janeiro, Jornal O Globo, 26 set. 1993.
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Fonte: Itaú Cultural

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