sexta-feira, 23 de agosto de 2013

HEINRICH VON KLEIST (1777 – 1811)

Heino Willy Kude
(membro da Academia Rio-Grandense de Letras – cadeira nº 17)
       No dia 21 de novembro de 1811 morreu nas proximidades de Berlim, junto ao lago Wannsee o dramaturgo Heinrich von Kleist (suicídio) aos 34 anos de idade. Depois de Goethe e Schiller, é ele considerado o terceiro maior dramaturgo da literatura alemã, apesar de não se dever esquecer Gotthold Ephraim Lessing, Gerhard Hauptmann e Berthold Brecht como grandes autores deste gênero literário. Claro é que sempre poderíamos discutir precedências ou não, mas não erramos, ao dizer que foi um dos grandes autores dramáticos da literatura alemã e universal.

Pelo que me lembro, aqui em Porto Alegre, apenas apresentaram uma peça dele, seja a comédia A Bilha QuebradaNão quero aqui deixar de lembrar o segundo centenário de sua morte. Estudei minuciosamente a vida deste gênio das letras que em seu tempo nunca fora reconhecido, passando por desconhecido. Bernd Heinrich Wilhelm von Kleist nasceu a 10 ou 18 de outubro de 1777.
       

Mesmo sendo membro de uma tradicional família aristocrática pomerana, como acontece em muitos casos no leste da Alemanha, o nome Kleist não é germânico, mas de origem eslava e significa lança. Alguns contemporâneos o consideraram ser o Shakespeare alemão e por mera coincidência speare igualmente significa lança. A exemplo do acontecido no caso do grande dramaturgo inglês aqui na obra aparecem os sentimentos antagônicos amor e ódio em manifestação extrema.

Um crítico alemão até aponta para a loucura. Mas eu gostaria apontar para algo que creio não foi muito bem observado na obra de von Kleist: Antes de se desenrolar a ação sempre surge uma proposta razoável do louco. Mas é exatamente o outro lado – por todos considerado como sendo o bom moço, por desconhecimento de detalhes – que se sentindo mais forte pura e simplesmente não quer negociar. Isso aparece especialmente na novela Michael Kohlhaas. 

Este homem era negociante de cavalos de fina estirpe. Certo dia, alguns destes cavalos foram mantidos presos por um duque, por falta de pagamento de um pedágio recém-criado. O dinheiro foi arrumado, mas quando ocorreu o pagamento constatou que os eqüinos morreram devido a maus tratos. Um protesto não resultou em nada. Um processo resultou em derrota no tribunal. Foi só depois destas tentativas legalmente corretas, é que o herói da história resolveu recorrer à justiça pelas próprias mãos. O que é que pretendia Kleist com este texto?

Algo que tem mais importância que se pensa: Nunca podem falhar as instituições civilizadas para garantir uma vida em comunidade, respeitando os direitos de todos. Depois dessa decepção, Michael Kohlhaas foi dominado pelo ódio. Mas, no fim foi ele derrotado. Por que então não considerar a novela como sendo também uma advertência contra a atitude terrorista do negociante de cavalos? O que aqui se encontra de loucura, precisaria ser mais bem explicado. É lógico que Kleist não poderia apresentar o revoltoso como sendo um anjo vindo do céu, mas ser obrigado, como escritor que era, a entrar na mentalidade dele, sem elogiá-lo, o que não fez.  
       

A família von Kleist viveu na Prússia que é um país que, por ter sido considerado guerreiro e militarista, sem ser conhecido a fundo, foi declarado extinto em 1945 pelos vencedores da segunda guerra mundial, para o mundo então ser capaz de decretar a eterna paz mundial (que é essa que vivemos desde 1945). Os Kleist em seu círculo íntimo, sempre diziam cada Kleist é um poeta. Podemos destacar que houve um Kleist que foi inventor concomitante da garrafa de Leyden, um condensador elétrico. Como autores literários, só podemos destacar Heinrich von Kleist e Ewald von Kleist (1715 a 1759). Este último era poeta lírico e morreu em combate na guerra dos sete anos. Os outros efetivamente eram militares – podendo naturalmente terem escritos poemas como forma de lazer.
       

Bernd Heinrich Wilhelm von Kleist nasceu em Frankfurt sobre o rio Oder a 10 ou 18 de novembro de 1777. Era filho de um major prussiano e foi logo destinado à carreira militar. Além de ter sofrido com os efeitos de uma educação por demais severa – ligados à sua própria natureza de pessoa com idéias próprias - ele deve ter tido uma decepção com o fato de o estado não pagar pensão à mãe, por ocasião da morte do pai em 1788. Como cadete e aspirante serviu na guerra contra os revolucionários franceses que conseguiram invadir parte do território alemão. O exército prussiano lutou muito para reconquistar a cidade de Mainz. 

No decorrer da campanha militar deve ter acontecido algo que se acha envolto em mistério, mas seja nos permitido em matéria de história, não nos cingir apenas ao comprovado, mas atuar de detetive: Kleist deve ter pagado o preço que acompanha todas as guerras. Um encontro com uma mulher portadora de uma doença sexualmente transmissível. Posso afirmar tal, pois há evidências, neste sentido, resultados de uma pesquisa minha ao redor de uma misteriosa viagem a Würzburg de agosto a outubro de 1800. Ele, sendo então noivo de Wilhelmine von Zenge, filha de um general, retardou o casamento, pedindo à noiva que confiasse nele, querendo resolver um problema. E justamente, numa de suas peças aparece esta situação dramática, servindo de exemplo à noiva: Catarinade Heilbronn, em que a jovem Catarina tinha uma confiança cega no seu bem-amado, seguindo-o em todos os lugares.
       

Para eliminar o mal que o afligia, Kleist estava tentando consultar primeiro em Viena, onde, de fato, existia um grande cirurgião especialista que antes havia trabalhado em um hospital, onde se atendiam marinheiros. Mas este cirurgião pouco antes havia morrido. Kleist foi depois para Würzburg, onde também comprovadamente, consultou um grande médico e cirurgião, tendo sido operado.
       

Para ser promovido a segundo tenente ocorreu um tempo enorme, sejam cinco anos (1792 a 1797). Ele se destacou, conforme alguns testemunhos, como sendo um jovem culto que se interessou por literatura e ciências e teria sido um bom instrumentista da flauta e da clarineta. Teria sido capaz de cantar qualquer melodia, sem mesmo nem conhecer notas musicais. Um namoro frustrado teria sido o motivo de querer se afastar de seu regimento. Pessoalmente, penso que a dificuldade de ser promovido, deve ter sido o grande motivo. Normalmente, os biógrafos não aceitam essa que ele desejava ser general, mas nos seus dramas dele aparece a preocupação de demonstrar que tem largos conhecimentos de estratégia militar. Chamo atenção para algumas frases do drama mais famoso dele, o Príncipe de Homburg e da novela Michael Kohlhaas, onde aparece claramente essa preocupação com a estratégia militar. Mas apesar de seu sonho em alcançar o generalato, Kleist repentinamente pediu baixa.

Aqui aparece, pela primeira vez uma faceta negativa dele, a de recorrer com certa facilidade para a mentira: Quando perguntaram pela razão, ele alegou que não estava satisfeito com o que se fazia no exército em matéria de disciplina, que, onde ele queria elogiar, o comando exigia punição. Até li uma biografia, em que ele era apresentado como um superior humanitário que ajudava soldados que eram injustamente punidos de modo desumano. É possível que tal tenha ocorrido, em uma ou outra oportunidade. Aos superiores, ele justificou sua decisão por querer estudar na universidade, mas considero suspeito o tempo demasiadamente longo para alcançar a patente de segundo tenente e que coincide a baixa dele com a época em que seu irmão quatro anos mais moço, foi promovido a primeiro tenente.
       

Reportando-me à mentira, devo acrescentar que as pessoas que o conheciam, destacaram a pureza de seu caráter e de ser muito honesto. Creio até que a mentira deveria ser re-estudada pelos pesquisadores em matéria de psicologia, achando eu que se trata de um pânico repentino que toma conta da pessoa, não lhe deixando outra saída que recorrer à mentira, da qual até poderia se arrepender mais adiante. Estudando o caráter de Kleist, eu diria que seguidamente aparece a síndrome do pânico nele.

Kleist resolveu estudar na universidade de sua cidade natal Frankfurt no rio Oder para poder ingressar numa carreira da administração civil. Cabe dizer que esta universidade foi fechada em 1811 e transferida para a cidade de Breslau, capital da Silésia. Como esta cidade passou em 1945 para o domínio da Polônia, foi depois da segunda guerra reaberta em Frankfurt. A família von Kleist não possuía rendas que permitissem ele viver como escritor. E ele ingressou numa função civil, mas aqui igualmente dentro de pouco tempo pediu licença. Tem-se a impressão de que não era benquisto pelas pessoas com as quais vivia, especialmente, os superiores hierárquicos. E aqui cabe destacar uma frase que ele escreveu em uma de suas cartas que revelam uma situação trágica, indicando algo de autista na sua personalidade: Eu não entendo as pessoas com as quais vivo, só compreendo as pessoas de meus dramas.
       

Em companhia de sua meia-irmã Ulrike visitou a França e a Suíça, em 1802. Ele escrevia poucas cartas à sua noiva que se queixava desta circunstância. Ocorreu logo depois a ruptura do noivado, quando ele perguntou numa carta, se ela estaria de acordo de viver com ele na Suíça uma vida simples e romântica como camponesa. A resposta algo reticente dela, ele considerou como sendo uma negativa. Ela lamentou a atitude dele, pois o admirava, embora o tenha considerado algo exótico. É que ele insistira sempre muito que todos deveriam ter conhecimentos mínimos culturais e saber falar bem a sua língua materna. Ela casou depois com o filósofo e professor Wilhelm Traugott Krug (1770 a 1842) que foi o sucessor do grande filósofo Immanuel Kant (1724 a 1804) na universidade de Königsberg (hoje Kaliningrado), em 1805.
       

Em verdade, havia apenas duas pessoas com quem se dava bem: A já citada meia-irmã mais velha que ele, Ulrike von Kleist que era confidente dele e li as cartas trocadas entre os irmãos que revelam uma simpatia mútua como só se pode esperar existir entre irmãos. Inclusive, quando Kleist foi feito prisioneiro francês e encarcerado, Ulrike fez de tudo para livrá-lo. A prisão tinha motivos que foram um tanto nebulosos, mas cremos poder dizer que Kleist tentou assassinar o imperador Napoleão I. Ele falava perfeitamente o francês o que aprendeu no ginásio francês de Berlim. Cabe lembrar que um terço da população da capital da Prússia era constituído de descendentes de huguenotes e de nobres refugiados da revolução francesa. Kleist mesmo, tomado de ira com as façanhas bélicas de Napoleão, perguntou certa feita: Será que não existe ninguém que se anima a matar este tirano? (Cabe destacar que antes ali por 1803 queria integrar o exército francês que iria invadir as ilhas britânicas. Creio que Kleist se decepcionou tanto em relação a Napoleão como Ludwig van Beethoven).

Graças à intervenção de sua meia-irmã que chamou atenção para as obras que Kleist já havia escrito e que seria um grande autor da literatura alemã, ele conseguiu ser libertado da prisão na França em Joux, onde ele conheceu o líder da revolta da população negra do Haiti, Toussaint l´Ouverture que depois ficou encarcerado em Chalons. A segunda pessoa que igualmente era uma confidente dele era prima por casamento: Marie von Kleist, nascida Gualtieri.
       

Quero aqui esclarecer que não estamos aqui desempenhando o papel de alguém que aponta para defeitos de grandes gênios da literatura – sei bem meu lugar - e de outras manifestações da arte, mas sempre insistimos em dizer que gênios também têm defeitos como todos nós. E um outro defeito de caráter nele apareceu no decorrer de sua vida: Ficou sendo uma pessoa amargurada com os insucessos que se acumularam e facilmente recorreu a ofensas.
       

A primeira obra foi um drama: A Família Ghonorez. Pois bem, a crítica que se apossou da obra foi radical. Apontaram acima de tudo para supostos plágios, citando algumas frases como sendo velhos conhecidos. Deve ter sido plágio por não conhecimento de algo que já fora escrito. Não levaram em conta a excepcional capacidade daquilo que se pode chamar de arquitetura de um drama, o que, no teatro é mais importante que num romance. Não creio que Kleist tenha se valido de idéias alheias, mesmo tendo mentido em diversas situações. Ele se orgulhava por demais de sua inteligência e criatividade para recorrer a um expediente desses. Ele mesmo disse de si mesmo, que é de espantar que numa só pessoa se tivessem encontrado criatividade para a ficção e vocação para amatemática. Uma pessoa que se orgulha assim, nunca recorre ao plágio que pode ter sido involuntário e decorrência do fato, de ele não ter lido muito obras alheias. Ele reescreveu este seu primeiro drama, chamando-o agora de Família Schroffenstein e sob este novo título foi apresentado no teatro, ainda em tempo de vida dele, no ano de 1804. Aqui a crítica achou que Kleist teria posto na boca de seus personagens frases que seriam dignas de um imperador, mas ridículas – por demais bombásticas - ao serem ditas por um pequeno proprietário rural.
       

Isso que acima foi dito quanto à sua criatividade, aparece em primeiro lugar numa carta em que ele fala que ao escrever, pouco a pouco aparecem mais e mais idéias. Basta começar a escrever! Mas com uma clareza estranha, tal criatividade explode, quando ele tentou traduzir uma comédia francesa para o alemão. Ele simplesmente não conseguiu se limitar à tradução e escreveu uma peça nova sobre o mesmo tema. Trata-se da peça Ampitryon de Molière cuja apresentação no palco, Kleist não chegou a ver. Mas as peças dele foram apresentadas, ao menos, em pequeno círculo, o que não acontecia a outros autores.
       

Kleist e Goethe não se deram bem. Pois Goethe se notabilizou mais ou menos em 1770 com seu romance Werther o qual mais adiante baniu de seu mundo dramático, por considerá-lo muito choroso. Assim também afastou de seu círculo de amizades autores de textos excessivamente lamentosos e sentimentais. Ele classificou Kleist como sendo desse time. Tal nem correspondia à verdade, pois em certa oportunidade, Kleist teria dito que uma peça teatral pode ser reduzido a uma simples fórmula matemática.
       

O pior aconteceu com uma tragédia intitulada Robert Guiskard. À parte, reescrevi esta tragédia, dentro do que me parecia ter sido o projeto de Kleist. Esta peça que Kleist considerou como sendo a obra máxima dele, foi por ele enviada a Goethe para fins de julgamento. Pelo fato de Goethe já o ter julgado de modo muito severo anteriormente, ele cometeu um erro fundamental: Ele disse que com o seu coração ajoelhado ele pediria apoio para esta sua obra. Relembro o que acima falei do Werther que ainda hoje é considerado uma obra prima da literatura universal.

Entre as obras de Goethe, depois do monumental Faust, é sem dúvida, a que merece ocupar a segunda posição. Como já dissemos não existe um escritor do mundo que tenha tanto abominado uma obra sua, como o fez Goethe, em relação ao Werther. Ele o confessa em suas memórias, talvez com menor ênfase que eu o digo aqui. Goethe deve ter visto em Kleist um autor de novos Werthers chorosos e ao ler o início do drama, o jogou no fogo de sua lareira. Ainda lhe disseram que seria um original, ao que o gênio de Weimar respondeu: Aquilo que não aprecioterá de ter este destino. Mas nesta oportunidade, em meu ver, aconteceu algo mais singelo: Goethe tinha aquilo que todos nós temos, o seu dia de mau humor. Com isso, Kleist se tornou inimigo de Goethe e lhe dedicou alguns epigramas. Um se referiu ao fato de Goethe tentar apagar em sua velhice uma luz que lançou ao mundo em sua juventude (o Werther). Até aqui podemos até dizer que se trata de uma crítica justificada. Porém um segundo epigrama Kleist nunca deveria ter escrito: Goethe vivia com uma mulher, de quem se dizia ter sido operária, mas que, descendente da família Vulpius, até poderia ser considerada de uma classe média mais elevada.

Pois bem, Goethe não pensou em casar, até que no dia em que os franceses ocuparam Weimar, ele ter sido ameaçado de morte e a sua esposa lhe ter salvo a vida, resolveu casá-la. O casal já tinha um filho August Goethe. Kleist escreveu quase que cinicamente que este filho seria um gênio prematuro, pois cantou o carme no casamento de seus próprios pais. O professor Herbert Caro, quando pronunciou uma palestra sobre Kleist, citou este epigrama como o máximo de insensatez e mediocridade. Concordo. Kleist, ainda em outra oportunidade escreveu algo muito ofensivo, desta feita dirigida ao maior diretor teatral alemão daqueles tempos, dramaturgo e grande ator, chamado August Wilhelm Iffland, a quem havia apresentado para fins de apresentação a sua peça Catarina de Heilbronn. Como Iffland a tivesse recusado, ele lhe escreveu que certamente não apreciava a peça pelo fato de se tratar de uma mulher, pois, caso se tratasse da vida de um homem, certamente, ele gostaria dessa peça.
       

Para falar da peça Catarina de Heilbronn. Kleist viu a apresentação dessa peça em vida e é uma das mais apresentadas ainda hoje, nos palcos dos teatros alemães. Mas apresentada em Viena, tendo uma crítica ter revelado que em Viena muitas peças, inclusive o Hamlet teriam sido modificadas por sugestões medíocres. O mesmo teria acontecido com a CatarinadeHeilbronnA peça trata de um amor quase místico entre uma jovem do povo e um cavalheiro nobre que acabam casando devido ao fato de ele se emocionar com a imensidão de amor que encontrou na alma desta jovem.
       

Uma das melhores comédias da dramaturgia alemã é a Bilha Quebrada com um enredo muito simples e que foi apresentada ainda em tempo de vida de seu autor. Uma bilha de água quebrada leva uma mulher ao tribunal, acusando o namorado da sua filha. Mas o verdadeiro culpado é o próprio juiz que queria ter uma noite agradável com uma jovem. E ao invadir o quarto dela, quebrou involuntariamente uma bilha. Justamente, no dia deste julgamento, um inspetor da justiça iria verificar, como naquela localidade era feita a justiça. Pouco a pouco, a trama aparece. O inspetor aceitou a sentença injusta do juiz, que condenou o jovem namorado, mas depois destituiu o juiz de suas funções e pagou a multa que libertou o jovem de ir para o degredo. A justificativa seria essa de nunca se dever desmoralizar a justiça como instituição. Este enredo simples, mereceu elogios da imprensa teatral da Alemanha Oriental – a DDR - que destacou que Kleist sempre se posicionava ao lado do povo.

Quando esta peça foi apresentada em Porto Alegre, até hoje não sei, quem levantou uma polêmica que se trataria de um autor militarista ou até nazista. Conhecendo eu a vida do dramaturgo, me envolvi em uma discussão acirrada nas páginas do Correio do Povo com alguém que nunca chegou a se identificar. Agradeço ainda hoje o apoio recebido de parte do atual Acadêmico – meu confrade na Academia Rio-Grandense de Letras – o jornalista Walter Galvani. Assim peça fora apresentada em Porto Alegre sem incidentes, tendo tido uma boa aceitação.
       

Um caso à parte é a peça teatral que o professor Herbert Caro considerou como sendo a obra prima de Kleist: O Príncipe de Homburg. Kleist dedicou a obra a uma princesa real prussiana, cunhada do rei. Ela, de nascimento era filha do duque de Hesse-Homburg. Mas a peça provocou uma revolta geral. Trinta anos depois, Heinrich Heine, em defesa de Kleist, disse que todos da casa Homburg se revoltaram, pelo simples fato de o príncipe de Homburg confessar em certo trecho da peça de ter sentido medo. Resultado: Esta grande peça só foi apresentada dez anos após a morte de seu autor.
       

Kleist, por outro lado, como já demonstrado na Bilha Quebrada deve ter conhecido a atuação de alguns juizes, quando estava trabalhando na administração do reino prussiano.
       

Uma das obras mais famosas dele era uma novela intitulada Michael Kohlhaas. Relembro o que já foi dito: Trata-se de um mercador de cavalos, cujos animais são aprisionados e seu empregado sendo mal-tratado por um duque que estabeleceu um imposto, tipo pedágio, pela passagem por suas terras. Aprendeu os cavalos e utilizou animais de fino trato, para trabalhos na lavoura e que naturalmente os levou a morrer. Kohlhaas processou o duque, mas o juiz simplesmente deu causa ganha ao duque, sem justificar e pedindo que não o incomodassem com tais questiúnculas.

Michael Kohlhaas disse que, se ele não consegue obter a proteção da justiça para exercer sua honesta profissão que ele teria de recorrer a outros meios. Ele vendeu tudo que tinha e armou um bando de malfeitores que assaltaram propriedades, agindo como terroristas. Mas, no fim, este homem honesto, não muito certo do papel desempenhado no mundo, falou com Martin Luther (Lutero) que o reprimiu, mas chegou a entender e recomendando se entregar. Foi o que Kohlhaas fez e pelos crimes cometidos, foi enforcado.

A história se baseia dentro de certos limites, em um fato verídico. Para nós pode até valer como resposta aos que perguntam quanto à razão de ser do terrorismo. E mesmo que o condenemos – como eu o faço - todos nós devemos também condenar veementemente abusos de juizes e dos quem mantém em suas mãos um tipo de poder inaceitável. Mas também entendendo que justiça rigorosamente isenta de influências e 100% igual para todos, é sonho e ilusão.
       

Goethe criticou tanto o Kohlhaas como a Catarina, dizendo que o autor deve ser hipocondríaco para desenvolver temas como esse. Especialmente, a universalização do problema do Kohlhaas encontrou uma rejeição incondicional dele.
       

Kleist fala de um encontro com o rei da Prússia, Frederico Guilherme III que era um compositor bem inspirado. Uma marcha que sempre é tocada nas recepções a autoridades estrangeiras na Alemanha de hoje, quando se apresentam à companhia de guardas, é da autoria do rei Frederico Guilherme III. Kleist disse depois, em uma carta que poderá ser o ajudante de ordens do rei, mas não sei explicar como lhe nasceu tal idéia, pois verifiquei nada existir a respeito.
       

Mais adiante, Kleist se envolveu com um intelectual de péssima fama, chamado Adam Müller que numa recepção lhe ofereceu uma coroa, chamando-o de gênio. No seu último ano de vida, Kleist fundou um jornal em Berlim, tendo justamente como sócio Adam Müller, sejam as Abendblätter(Folhas do Entardecer). Ali escreveu muitos contos de valor perene, mas a iniciativa foi fadada ao fracasso, pois a censura o tratou com rigor excessivo. Assim ele conseguiu editar apenas ao redor de vinte edições para ter de fechá-las. Adam Müller disse que Kleist teria ganho muito dinheiro com a edição do jornal, mas lamentou que queria reeducar os seus leitores o que certamente nunca daria certo.
       

Entre os contos ali editados, vamos citar o caso de A Marquesa de O... . Ali é relatada uma história da guerra que levou tropas russas para o norte da Itália, ali por 1795. Um bando de soldados russos havia invadido um palácio e estavam por estuprar uma marquesa, mas um oficial russo, um nobre, interveio. Mas, a marquesa engravidou e algum tempo depois, o seu salvador, o nobre russo apareceu, propondo casamento, confessando que, enquanto a marquesa estava desmaiada,ele se aproveitou da situação e a teria estuprado. É evidente que tal conto, naqueles tempos foi rejeitado energicamente pela sociedade. Não gosto de usar a palavra hipocrisia, pois sempre alerto que não se sabe o que pode acontecer com a sociedade, caso certas barreiras levantados no decorrer do tempo, fossem todas elas rompidas, mas estou igualmente combatendo os exageros de moralidade cometidos neste sentido, pois não somos nem santos, nem demônios. No conto é descrito algo criminoso ocorrido numa guerra, e para tal devemos ter compreensão, sem naturalmente poder aprovar nunca um estupro.
       

Kleist escreveu poucos poemas para uma época em que muitas pessoas cultas se encontraram em salões apresentando seus versos. E confesso, li todos os poemas, cerca de sessenta e nenhum deles causou o entusiasmo, como acontecia com relação aos poemas de autoria de Schiller, especialmente.  
       

Um outro conto me levou a pensar muito: Um Terremoto no Chile. Ali um homem estava numa prisão e queria se enforcar. Mas, ao iniciar o terremoto, ele se encostou firmemente no pilar no qual ele antes havia fixada a corda, pedindo agora que o pilar resistisse.
       

Embora, pouco antes, Kleist tenha dito que o que de mais fácil poderia existir, seria cometer o suicídio, pois bastaria prender um grande peso na sua perna e se atirar na água... esse conto me levou a pensar: Será que alguém que assim escreve, pode sequer pensar na possibilidade de cometer um suicídio?
       

Em alguns períodos de sua vida, especialmente em 1810-11, Kleist estava sofrendo de síndrome do pânico. Durante muitos dias, não saía mais de sua casa, fumando muito, sendo que as poucas pessoas que o visitaram, comentaram as nuvens de fumaça ali existindo. Mas quero apontar para outro ponto interessante: Falamos da doença sexualmente transmissível, por ocasião da guerra da qual participou como aspirante. É interessante notar que noivou certamente interessado em casar. Considerou-se curado, porém naqueles tempos para a sífilis não existia uma cura. Um homem consciente e responsável como Kleist assim resolveu não mais casar.

De outra é sabido que justamente esta doença pode agredir o cérebro, provocando em muitos casos psicopatias. Conheço o trágico caso de um colega da escola de engenharia que foi igualmente afetado pela sífilis, cometendo a partir daí deslizes que poderiam provocar hilaridade, se não fossem extremamente trágicos. Além do mais, na história das artes, não seria o primeiro caso: pelo que consta – talvez nem totalmente comprovado – os casos de Heinrich Heine, Franz Schubert, Robert Schumann e talvez Wolfgang Amadeus Mozart. À parte, foi Alexandre Pushkin quem inventou a tese de que Antonio Salieri teria envenenado Mozart. Nada se comprovou, sendo a história do filme Amadeus nada mais que pura fantasia, por outras afirmações.
       

Já dissemos que só duas pessoas o compreendiam: sua irmã Ulrike e a prima Marie von Kleist. Ele havia até elogiado os judeus, com os quais se dava bem. Talvez teria continuado o que Lessing iniciara: uma maior aproximação com os mesmos que por sua vez, igualmente se aproximaram dos alemães. As outras amizades mais se ligaram a trocas de idéias entre escritores e poetas.
       

Uma cena desagradável na família era a famosa gota que levou o já instável Heinrich von Kleist a uma decisão fatídica: Uma tia o acusou de ser um mentiroso patológico. Não havia, no ver dele, mais nenhuma saída para a vida dele. Ele conhecendo a senhora Henriette Vogel que sofria de um câncer incurável, combinou com ela, cometerem suicídio em conjunto. E é o que se deu junto ao lago Wannsee, nas proximidades de Berlim, no dia 21 de novembro de 1811, poucos dias depois de completar 34 anos de idade. Ele havia colocado o cano da pistola na boca e disparado, depois de matar a sua companheira de infortúnio.
       

Cartas de despedida foram enviadas à prima Marie e à irmã Ulrike. Esta última poderia ser chamada de testamenteira, pois todas as obras não publicadas e inúmeras cartas estavam em poder dela. Mas lamentavelmente, ela foi acometida por uma depressão patológica e neste estado, queimou tudo que poderia valer muito para a literatura alemã e mundial.
       

Quero aqui acrescer uma segunda possível explicação para o suicídio, depois do possível motivo maior citado anteriormente: o fato de ele ter dificuldades no trato com seus semelhantes o que lhe causou inúmeros, injustificados e grandes transtornos. Aliado a tal – o que lhe facilitou a decisão - aparecera nele uma idéia criticável referente à possibilidade da imortalidade da alma. Creio que a alma não morre, tendo dado uma explicação para tal fenômeno em Será que Freud Explica?Pensou ele que a alma sempre há de renascer em outro ser humano e, talvez – sempre nesses casos aparece uma esperança - em melhores condições e circunstâncias. Lamentavelmente a obra intitulada História da Minha Alma de Kleist poderia ser uma leitura interessante e esclarecedora, desapareceu, pois fora queimada por sua irmã Ulrike. Foi pensando inabalavelmente assim sobre a reencarnação integralmente, foi ele de modo alegre e de bem com as pessoas que orodearam, para a morte, como ele o disse em uma de suas cartas de despedida. Acredito que Kleist escreveu seus dramas como que psicografando idéias que lhe advieram, julgando terem nascido em certos personagens nos quais – segundo que pensava teriam vivido antes com a alma imortal dele.
       

Creio que inúmeros gênios da literatura devem ainda estar mergulhados no anonimato e tal teria acontecido com Kleist, se não fosse o poeta romântico alemão Johann Ludwig Tieck (1773 a 1853) que não poupou esforços no sentido de resgatar a obra de Kleist, sendo responsável pela estréia de alguns dos dramas de Kleist em palcos de teatro. Parece que, mesmo sendo contemporâneos, no mais os dois poetas pouco se conheciam.
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