terça-feira, 4 de junho de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Pai"

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Acerto de contas no Galpão



Lionel Fischer



"A peça conta a história de Alzira, criada numa família comandada por um pai tirano que, segundo ela, não suportava a felicidade alheia. Ela, por sua vez, viveu por anos fazendo de tudo para agradar a todos. Até que, cansada de viver em função da aprovação alheia, decide fazer um acerto de contas com este pai - e com ela mesma".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Pai", de Cristina Mutarelli, em cartaz no Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim. Bruce Gomlevsky assina a direção e Rita Elmôr interpreta a única personagem.

Em junho de 2012, assisti a primeira versão do texto, levado à cena no Midrash e postei a crítica neste blog. Embora a atriz fosse a mesma, a direção era completamente diferente e o que importa é escrever sobre a atual. Com relação à peça, levantei a hipótese de que tudo que a personagem diz se resumiria a um somatório de delírios persecutórios, sendo Alzira, portando, portadora de grave patologia. Mas agora vou tentar um outro viés: a personagem teria efetivamente razões para imputar ao pai moribundo o fracasso de sua existência. 

Se esta foi a premissa de que se valeu a autora, o texto perde muito de sua força, pois é literalmente impossível que alguém não consiga jamais traçar seu próprio caminho de acordo com seus anseios e sim atendendo aos do pai - ou da família, da sociedade etc. É claro que, dependendo do grau de neurose da personagem, esse processo de libertação poderia ser longo e extremamente penoso. Mas provavelmente um tratamento psicanalítico haveria de fornecer-lhe as indispensáveis ferramentas para reverter este sombrio quadro. E se ainda assim nenhum avanço fosse obtido, então só me restaria concluir que a personagem pode não ser totalmente louca, mas sua fragilidade emocional a colocaria à beira da insanidade.

Com relação à estrutura do monólogo, Alzira está na casa do pai e a ele (que jamais é visto) se dirige. A dita casa nada tem de realista, o que reforçaria a hipótese de que tudo se passa num espaço metafórico, impregnado de símbolos - de memórias, de ressentimentos, de anseios, de acusações etc. Aos poucos, porém, Alzira começa a recordar passagens de sua vida e dialoga com  outros personagens, encarnando-os em conversas ora mais realistas, ora mais surreais - chega, inclusive, a interpretar brevemente um cão.

Se tais diálogos estão efetivamente contidos no texto, então o encenador Bruce Gomlevsky teria que materializá-los de alguma forma. E é isso que faz, valendo-se de marcações em geral bastante expressivas e executadas com grande eficiência pela intérprete. Mas acredito que o excesso de movimentação, se por um lado permite a Rita Elmôr exibir seu talento e versatilidade, por outro enfraquece o potencial dramático do texto e até mesmo as passagens em que o humor predomina, ainda que este seja corrosivo.

Resumindo: não tenho a menor dúvida de que Cristina Mutarelli escreveu um texto que levanta questões pertinentes e que permite ao menos duas leituras. Resta saber qual seria a melhor forma de encená-lo: se de maneira mais contida ou como a que está em cartaz. Ao espectador caberá decidir.

No tocante à equipe técnica, Nello Marrese e Natália Lana respondem por uma cenografia de grande expressividade, impregnada de elementos simbólicos e metafóricos, como já foi dito. Elisa Tandeta assina uma iluminação que acompanha com grande sensibilidade todos os climas emocionais em jogo, sendo corretos os figurinos de Rita Elmôr e eficiente a direção musical e trilha original de Marcelo Alonso Neves.

PAI - Texto de Cristina Mutarelli. Direção de Bruce Gomlevsly. Com Rita Elmôr. Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim. Sexta, 21h. Sábado, 19h e 21h. Domingo, 20h.






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