sexta-feira, 21 de junho de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Os sapos"

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Elas escutam, mas não coaxam



Lionel Fischer



Sempre fui fascinado por títulos. E antes de começar a escrever o que se segue, coloquei-me a seguinte questão: por que a autora Renata Mizrahi resolveu batizar de "Os sapos" seu último texto, que estreou ontem no Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim? Poderia tentar encontrar uma resposta satisfatória baseando-me apenas no texto e no espetáculo, mas resolvi fazer uma breve pesquisa.

Todos sabemos o que é um sapo, que praticamente em tudo se assemelha a uma rã. Mas não sabia que existem cerca de 4.800 espécies de sapos e dentre elas dez que são consideradas "as mais esquisitas". Uma delas, a rã-golias - um dos maiores anfíbios da terra - foi a que me mais me intessou, pois escuta mas não coaxa. Ou seja: ouve mas não responde. Por que será que se mantém em silêncio? Por que será que não reage aos estímulos sonoros que recebe? 

É muito provável que Renata Mizrahi jamais tenha ouvido falar da rã-golias. No entanto, e curiosamente, seu texto se presta a uma singular analogia com este anfíbio, ao menos em termos metafóricos, pois o texto, embora aborde vários temas, tem como central a incapacidade dos personagens de reagirem ao que escutam, e assim  modificar uma realidade completamente insatisfatória. 

Com direção assinada pela autora em parceria com Priscila Vidca, "Os sapos" tem elenco formado por Gisela de Castro (Luciana), Paula Sandroni (Fabiana), Peter Boos (Claudio), Ricardo Gonçalves (Marcelo) e Verônica Reis (Paula).

O enredo é simples. Luciana e Marcelo possuem uma casa de campo (Luciana é quem paga o aluguel) e mantém uma relação de oito anos, que mais adiante constatamos ser bastante insatisfatória. Claudio (músico provavelmente medíocre) e Fabiana (escritora de um só livro, que provavelmente jamais será publicado) também possuem uma casa nas imediações e uma relação em que Fabiana se submete a todas as vontades do marido. No entanto, as aparências sugerem que tudo transcorre no melhor dos mundos, como diria mestre Pangloss (personagem de "Candido ou o Otimismo", de Voltaire).

Um dia, porém, surge Paula, amiga de infância/adolescência de Marcelo, por ele convidada a passar uns dias na casa, justamente com outros amigos de 20 anos atrás. Mas logo fica claro - ao menos para mim - que Paula foi a única convidada, o que desperta compreensível inquietação em Luciana. E pouco a pouco, e ainda que involuntariamente, Paula (que terminou uma relação amorosa há uma semana) contribui para o aflorar de múltiplas e graves contradições em um universo que parecia perfeitamente ordenado.

De início, pequenas desavenças. Mais adiante, estas se tornam mais acirradas. E finalmente a violência explode, levando a plateia a crer que nada mais poderá seguir como antes. No entanto, ocorre exatamente o oposto. Fabiana, que ameaçara deixar o marido, volta com ele para casa, o mesmo ocorrendo com Luciana, que também diz que vai embora mas permanece com Marcelo, apesar de ter plena consciência do fracasso da relação de ambos. Os estímulos foram suficientes, mas as reações são nulas. Teriam ambas algum tipo de parentesco com as rãs-golias?

Bem escrito, contendo ótimos personagens e diálogos cuja fluência e profundidade (afora momentos de muito humor) mantém o espectador atento e interessado durante toda a apresentação, "Os sapos" recebeu ótima versão cênica de Priscila Vidca e Renata Mizrahi, que impõem à cena uma dinâmica criativa e diversificada, capaz de valorizar todos os conteúdos.

E ambas exibem o mérito suplementar de haver extraído irrepreensíveis atuações de todo o elenco, com todos os intérpretes extraindo o máximo dos ótimos personagens criados pela autora. E a esta parabenizo com grande entusiasmo por ter produzido o espetáculo com seus próprios recursos, recusando-se a permanecer refém de patrocínios só muito raramente obtidos.

Na equipe técnica, Lorena Lima e Nello Marrese assinam uma cenografia simples e despojada, perfeitamente adequada ao contexto em que se dá a ação. A mesma eficiência se faz presente nos figurinos de Bruno Perlatto, na iluminação de Renato Machado e na direção musical e sonoplastia de Marcelo Alonso Neves.

OS SAPOS - Texto de Renata Mizrahi. Direção de Renata e Priscila Vidca. Com Gisela de Castro, Paula Sandroni, Peter Boos, Ricardo Gonçalves e Verônica Reis. Galpão das Artes do Espaço Tom Jobim. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h30



    

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