sábado, 9 de março de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Emily"

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Rumo ao infinito


Lionel Fischer


Embora só muito raramente recorra a referências no exercício da crítica teatral, no presente caso não resisto à que se segue, de autoria de Harold Bloom, o maior crítico literário da atualidade: "À exceção de Kafka, não lembro de nenhum escritor que tenha expressado o desespero com tanta força e constância quanto Emily Dickinson". Tal opinião, vinda de quem veio, merece ser considerada.

Mas, e com toda a humildade, a ela me permito acrescentar uma outra, esta de minha autoria: afora o mencionado desespero, quase sempre impregnado de trágica beleza, creio que uma das características mais notáveis da poeta é sua espantosa capacidade de conferir plasticidade à sua escrita - posso estar enganado, naturalmente, e se estiver, de antemão me desculpo.

Partindo do original escrito por William Luce, Eduardo Wotzik o adaptou e assina o texto final, assim como a concepção e direção de "Emily", em cartaz no Teatro Poeirinha. Analu Prestes encarna  Emily Dickinson (1830-1886), que, em vida, só teve publicados uns poucos poemas - no entanto, após sua morte, foram encontrados quase 1.800 inéditos!

Dentre os muitos méritos desta sensível empreitada teatral, o primeiro a ser destacado é a circunstância cênica: a personagem recebe os espectadores no quintal de sua casa, os convida para um chá e então começa a contar suas histórias. E estas, naturalmente, também incluem poemas ou fragmentos dos mesmos, mas são costurados de tal forma que temos a sensação de que os versos foram convertidos em prosa.

Com relação ao espetáculo, cumpre destacar a delicadeza e expressividade das marcações, sempre em total sintonia com os conteúdos em jogo, assim como a precisão dos tempos rítmicos,  tanto nas passagens mais exaltadas quanto naquelas em que a placidez impera. Afora isto, o diretor exibe o mérito suplementar de haver extraído maravilhosa performance de Analu Prestes.

Ainda que possuidora de vastos recursos expressivos, o que mais me impressiona e comove em Analu Prestes é sua notável capacidade de entrega, que me leva sempre a acreditar que o resultado de seus trabalhos é fruto não de soluções epidérmicas, mas de algo que brota de suas entranhas e de seu coração. Cabe também destacar a inteligência de suas escolhas, que jamais passam pelo previsível ou visam gerar efeitos supostamente originais. A originalidade, como todos sabemos, não pode ser adquirida ou adestrada: ou a possuímos ou não. Analu Prestes é uma atriz original, no sentido máximo do termo. E vê-la neste belo espetáculo constitui um privilégio.

Na equipe técnica, Paulo Francisco Paes responde por belíssima trilha sonora, sendo absolutamente impecável a direção de arte e cenografia de Analu Prestes, também responsável pela instalação no hall do teatro - uma infinidade de borboletas azuis, quem sabe metáforas de poemas que alçam voo rumo ao infinito. Cabe também destacar a expressiva iluminação de Fernanda Mantovani, que sublinha com exatidão todas as emoções em causa, assim como o maravilhoso figurino assinado por Rita Murtinho.

EMILY - Texto de William Luce. Adaptação e direção de Eduardo Wotzik. Com Analu Prestes. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.



  

  





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