quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Diário de um matrimônio



de Cláudia Sussekind




Personagens:


Paloma 1
Paloma 2
Marina
Adriano
Marcela
Amante


Cenário: apartamento tipo galpão, que também é um ateliê. Ao fundo, mesa de trabalho de Adriano com computador, papéis e livros.


(Adriano está sentado à mesa, trabalhando concentradamente no computador e com seus livros, alheio ao que acontece ao seu redor. As Palomas vão entrando lentamente, passam uma pela outra cruzando o palco e param bem na boca de cena)


Paloma 1 – Eu, Paloma, aceito Adriano Cortez como meu legítimo esposo. Prometo lhe ser fiel na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando-o e respeitando-o por todos os dias da minha vida.


Paloma 2 – Eu, Paloma, aceito Adriano Cortez como meu legítimo esposo, prometo enfeitiçá-lo, esconder-lhe dos perigos, e protegê-lo definitivamente em meu mundo mágico. Me dedicarei como uma heroína para mantê-lo bem longe do chão, elevando-o à mesma altura em que me encontro hoje. Sou uma heroína! (Adriano veste seu jaleco e sai de cena com sua maleta de médico. Paloma 1 senta-se para escrever. Paloma 2 trabalha nas máscaras)


Paloma 1 - Quase meia-noite... Adriano deve estar no meio de um dos seus plantões!


Paloma 2 - Adriano não tem tempo pra minha intensidade... minha imaginação...


Paloma 1 - Eu sempre quis me casar com um artista pra poder passar a maior parte do tempo no mundo da fantasia. Morar lá. Acabei me casando com um médico, extremamente racional.


Paloma 2 - Meu marido casou apenas com uma pequena parte de mim.


Paloma 1 - Me lembro o impacto que tive no dia em que o conheci. Eu estava bebendo meu Red Label num bar do Village, quando de repente, lancei um olhar lânguido para a porta do bar. E me deparei com uma imagem quase sagrada: um médico. Todo de branco.


Paloma 2 - Um médico. Mas eu preferia que ele fosse um escritor, um artista de vanguarda... um músico... um guitarrista! Um guitarrista de uma banda de rock!


Paloma 1 - Um médico. E veio me resgatar...corri para seus braços e disse que estava muito doente.


Paloma 2 - À beira da morte.


Paloma 1 - Ele não achou a menor graça, ficou me olhando sério, tirou minha temperatura. Foi me acalmando...me salvando...com seus gestos milimetricamente estudados...e com uma sanidade singular... Extremamente excitante. Me entreguei perdidamente.


Paloma 2 - Quem não se entregaria?!


Paloma 1 - Era um médico, não representava perigo algum: representava cura. Solução. Eu não precisava de mais nada, só dele! Adriano substituía qualquer êxtase artístico! Estava TUDO resolvido! Finalmente completa! Salva! (Pausa) Antes de me casar, eu morava em Nova York com uma amiga, Marina...a dona das minhas verdades. Marina me dizia quem eu era, o que eu estava sentindo, e de que eu precisava para viver. Me guiava no escuro, para dentro de hemisférios desconhecidos. Eu não tinha medo de nada...respirava o caos... com um estranho prazer. Rondávamos aquela cidade, esperando a hora em que a vida nos surpreenderia. A hora em que Deus, finalmente, nos serviria o banquete. Adriano! O banquete prometido.


(Efeito de luz. Flash-back. Paloma 2 se veste de Marina. Marina, em silêncio, faz o ritual do pacto)


Marina - Banquete? Isto não existe, Paloma.


Paloma 1 - Marina!


Marina - Vamos fazer uma promessa? Um pacto?


Paloma 1 - O que você quiser.


Marina - Repita comigo: prometo ser fiel aos meus ideais.


Paloma 1 - Prometo ser fiel aos meus ideais.


Marina - No amor e no trabalho.


Paloma 1 - No amor e no trabalho.


Marina - Agora vai. Realize seus sonhos. Não desista da felicidade. (Luz. Transição. Paloma se despede de Marina)


Paloma 1 - Agora, eu e Marina moramos em cidades diferentes, mas nos telefonamos sempre para saber como anda a nossa promessa. Hoje recebi um telefonema de Marina, mas menti o tempo todo...É que na realidade Adriano chega todo dia morto e dorme exausto, ou fica estudando noite adentro e odeia ser interrompido. Droga, eu pensei que eu fosse ter um companheiro, mas na verdade tô me sentindo super sozinha. Não consigo trabalhar direito! Não consigo criar nada!


Paloma 2 - Se eu pelo menos explodisse artisticamente ou sexualmente ou passionalmente, eu teria ALGUM alívio. Acho que odeio ser tão intensa. Quero paz. (pausa) Vou fazer yoga, me espiritualizar, acalmar.


Paloma 1 - Meia-noite e trinta e cinco! Estou aqui, sem inspiração nenhuma, esperando Adriano até agora, com esse tender pronto. Meio que para comemorar em segredo minha nova personagem: “Paloma, a auto-suficiente”.


Paloma 2 - Adriano não chega nunca, nem mesmo quando está aqui. É inacreditável. Antes ele me completava extraordinariamente. Seu poder era assustador. Quase insuportável.


Paloma 1 - Vou parar de sofrer por homens individualistas.


Paloma 2 - Vou precisar me envenenar para ter algum prazer essa noite...


Paloma 1 - Vou comer o tender sozinha! (Dá uma mordida e suspira) Hum...vou ter um orgasmo estomacal e Adriano não vai participar dele! Vou comer todo esse tender saboreando um vinho maravilhoso! É isso que vou fazer!


Paloma 2 - Nossa, mas isso está uma delícia!


Paloma 1 (Comendo) - Nossa, mas isso está uma delícia!


Paloma 2 (Comendo) - Isso está divino! Um sonho!


Paloma 1 (Bebendo e comendo) - Dizem que as esposas desiludidas são as melhores amantes! Li isso num folhetim. Daqueles bem populares.


Paloma 2 - Humm...vou dar a algum homem as minhas melhores fantasias...preciso me reconhecer...usando quem puder para me devolver a mim mesma.


Paloma 1 - Calma...


Paloma 2 - Acho que eu tinha que me casar de novo...mas dessa vez com um homem grandioso, dono de uma sensibilidade única, adoro emoção...quero alguém extraordinário... huuumm...um Shakespeare...algo assim...alguém capaz de enxergar toda a complexidade da alma humana....só para me desvendar...Adriano não me explora...não sabe o que está perdendo...não vai conhecer nunca a mulher surpreendente que eu sou...é...eu preciso ser estimulada...homens superficiais não servem para nada. Ah! Mas esse vinho está digno de um Macbeth! De um Rei Lear! De um Hamlet! Já pensou...eu tomando um vinho e fazendo amor com Macbeth...hum...eu teria um prazer shakesperiano! Seria mesmo divino! Por que todo mundo está vivendo suas fantasias e eu não? O mundo lá fora está ótimo. São quase duas horas da madrugada! Eu preciso dançar, gastar energia!


Paloma 1 - É sempre assim: fico horas ensaiando um discurso para dizer a Adriano, mas quando a noite chega, meu discurso começa a mudar...eu estava tão decidida a sair e me divertir e de repente, agora, tudo que quero é dar-lhe mais uma chance. Declarar-lhe meu amor eterno...Deus me livre, o que faço com sentimentos tão contraditórios?! Não estou conseguindo arrancar Adriano de dentro de mim...Adriano não conversa. Adriano não trepa. Adriano não tem tempo para porra nenhuma. E eu só como!! (Furiosa) Já engordei milhões de quilos, já consegui me entediar de uma forma brilhante! Adriano está chegando...


(Adriano entra, ocupado, falando no celular. Dá um beijo na testa dela, fala algo rapidamente e se prepara para dormir. Paloma 1 vai até seu material e tenta se concentrar no trabalho)


Paloma 2 - Viu??!! Exausto...sem condições para nada...de novo.


Paloma 1 - Merda! Não consigo criar nada! Acho que não sei mais fazer nada...Isso está horrível! Inexpressivo! Uma merda!


Paloma 2 - Fico tentando engolir meu estado eufórico. Tenho o espírito preparado para uma grande festa, para um carnaval, e a minha realidade é um marido desmaiado na cama.


Paloma 1 - Cadê o meu talento?! Eu tinha tanto talento. O que aconteceu? O que está acontecendo?


Paloma 2 - Sinto raiva de Adriano. Por que antes de ir dormir, me vendo nesse estado não foi capaz de fazer nada para me acalmar? Nem mover o pênis é mais possível?


Paloma 1 - Isto não é arte, isto é medíocre! Merda! (Paloma 1 começa a destruir o trabalho)


Paloma 2 - Viado...filho da puta...não tem feito nada para me agradar, está perdendo a preocupação em me satisfazer, estou odiando isso tudo, meu casamento está profundamente sem graça.


Paloma 1 - Merda!


Paloma 2 - E agora? O que faço com essa folia interna que não me deixa dormir...me machuca de euforia, de raiva, de tesão.


Paloma 1 - Merda!


Paloma 2 - Estou VIVA, transbordando de energia, estou no cio, estou apaixonada, estou tudo...não estou me agüentando.


Paloma 1 - Não vou mais me iludir!


Paloma 2 - Tenho a insuportável sensação de ter um cavalo dando pinotes dentro de mim, um cavalo ávido para correr muitas milhas, derrubando tudo que estiver pelo caminho. Não consigo mais dar conta desse cavalo preso num quartinho com a luz apagada, tendo que dormir.


Paloma 1 e Paloma 2 (As duas gritam juntas) - Chega!! (Adriano reage ao grito e vem até ela)


Adriano - Qual o problema, Paloma? (Vê o estrago que ela fez) Você enlouqueceu? Você precisa se acalmar.


Paloma 2 - Às vezes sinto vergonha dos meus sentimentos...sinto receio de estar sendo uma menina mimada, dessas que não suportam a barra de ter que se privar de alguns prazeres. (Adriano vem até Paloma 1, abraça-a)


Adriano - Você quer tomar alguma coisa pra se acalmar? (Paloma 1 faz que não com a cabeça) Vai dormir. Amanhã, com a cabeça descansada, a gente conversa. Sua histeria não tem fundamento, Paloma. Está tudo bem na sua vida. (Adriano leva Paloma 1 até a mesa)


Paloma 2 - Não! Hoje eu não quero me acalmar, nem quero conversar sobre isso! Tudo o que quero agora é uma dose de prazer para conseguir dormir. Prazer! Amor! Vou lutar, isso sim. Preciso apenas “enfeitiçá-lo”...(Música. Paloma 1 começa a seduzi-lo, executando as ações descritas por Paloma 2, porém não de forma descritiva. Eles transam) Fiz uma cara de sonsa, meio “Marilyn Monroe” e quase me derretendo de tão sexy, tão loura, tão dada, olhei meu amor como quem olha para o homem mais atraente do mundo. Ele gostou de me ver tão faminta. Vou devagar querido, vou lhe fazer explodir quando eu te tocar...Fui abrindo as calças do seu pijama e tocando em tudo o que eu queria, era tão quente...que saudade... chegava a doer alguma coisa dentro de mim...de tanto prazer...Deus meu!... quando ele entrar em mim então...Porque ele me deixa assim? Se eu não sentisse tanto desejo por ele, eu seria menos conturbada, teria mais paz, menos ciúmes, “o desejo” me traz perturbações... UAUUUUUUUUUUU!!! Vem, Adriano...quero você...me domina! Adriano me segurou com firmeza e me possuiu com tanta vontade, me deixando o tempo inteiro no limite. Quando vi que Adriano não agüentava mais, explodi também. Como uma bomba atômica.


Adriano (para Paloma 1) - Me perdoa, meu amor, me perdoa logo por tudo de errado que eu fiz e que eu farei...me perdoa por ser tão real e imperfeito como todos os mortais! Você não me ama, Paloma. Você ama a sua “imaginação” sobre mim, uma imaginação de artista, uma imaginação cheia de efeitos especiais, ilusórios! Eu te amo Paloma, te amo muito! Quero que jure. Jura que não vai desistir de mim, meu amor? Jura?! Jura ? Jura ? (Paloma 1 sorri em silêncio, cala a boca dele com um beijo enquanto Paloma 2 fala)


Paloma 2 - Eu não jurei. Queria jurar, mas preciso assustá-lo mais um pouquinho para que se esforce por me agradar, por me reconquistar.


Paloma 1 (Levantando da cama) - Foi uma noite maravilhosa...acho que “acordei” meu Adriano. Estou tão feliz, tão forte, tenho até a impressão de que já está tudo bem na minha vida e meu casamento é digno dos meus sonhos. (Transição. Luz)


Paloma 1 (vendo Marina deitada na sala) - Marina veio me visitar. Trouxe sua visão crítica para dentro da minha casa. Não vou poder distorcer as informações sobre Adriano. Ela veio conferir como anda meu casamento. Ver se aprova a minha vida. Marina era o que faltava dentro da minha casa, alguém que me conhece melhor do que eu mesma. Alguém que resolve tudo por mim. Não tenho sentimentos muito normais por ela, sinto raiva e profundo amor. Raiva porque tenta controlar a minha vida e amor porque se preocupa muito comigo, torce por mim, nunca me abandona. Ela me cobra uma luta, um estado de alerta, uma atitude reivindicatória: devo ser a rainha da felicidade, lutar por melhores dias, impor minhas leis e decepar a cabeça de quem não cumpri-las. Marina é uma tirana, mas eu a amo.


(Dá um beijinha na testa da amiga que dorme. Nesse momento Adriano levanta da cama. Marina muda de posição no sofá e continua desmaiada. Nem aí. Adriano se assusta com a presença de Marina, faz cara de indignação)


Adriano (Para Paloma 1) - O que é isso? O que ela está fazendo aqui? Como é que ela entrou aqui?


Paloma 1 - Ela tem uma chave. Eu dei uma chave para ela. O que que tem, Adriano? Ela é minha melhor amiga!


Adriano - Uma louca. Uma folgada. Não se invade a casa dos outros de madrugada. Que espécie de relação vocês tem?


Paloma 1 (Tentando harmonizar, bem doce) - Vai se vestir, amor, assim você vai se atrasar. Deixa que eu resolvo isso, tá? Está tudo bem. Tudo em ordem.


Adriano – Paloma, você é completamente irresponsável! Pra quem mais você deu a chave da minha casa? Quem mais tem a chave da minha casa? Algum psicopata? Algum terrorista?


Paloma 1 - Ninguém mais, Adriano, só a minha melhor amiga, só quem eu confio, tá?


ADRIANO - O problema é que você confia em todo mundo, Paloma, menos em mim: o único ser sensato que ainda faz parte da sua vida. Mas paciência tem limite, Paloma, paciência também acaba.


(Adriano sai de cena resmungando, irritado. Mudança de luz. Passagem de tempo. Paloma 1 e Marina estão conversando, carinhosas, saudosas. Servem-se de uísque e bebem durante a conversa)


Marina - Me fala mais do Adriano. Quero saber tudo. Tudo!


Paloma 1 - Tem dias que é maravilhoso...a gente transa, ele é super carinhoso comigo...


Marina - Quer te impressionar!


Paloma 1 - Como assim?


Marina - Ora, Paloma, você é tão transparente! Tudo que as pessoas, principalmente os homens, querem saber a seu respeito, ficam sabendo só de olhar pra você! Tá tudo ali, estampado na sua cara!


Paloma 1 -Começou! Você adora me dissecar! Você acha, é?


Marina - Acho! E a primeira coisa que a gente percebe é que você é super impressionável! Adriano já sabe disso há anos!


Paloma 1 - Você tá querendo dizer que o carinho, o amor que eu acho que Adriano sente por mim, é apenas uma maneira de me impressionar?


Marina - Setenta por cento!


Paloma 1 - Então ele só me ama trinta por cento? É isso? Meu Deus, eu estou casada com um homem que me ama 30 por cento e que usa os outros setenta pra... pra... pra poder me... pra quê?


Marina - Pra te manipular, óbvio! Ele te traz pra uma cidade desse tamanhozinho, na região mais careta e conservadora dos Estados Unidos, ele passa todos os dias e todas as noites enfiado no Charleston Hospital e você fica aqui sozinha, comendo a casa e sem conseguir criar nada! Claro! Ele está te matando! Você é uma artista, tinha que estar em Paris, não em Charleston, que ridículo!


Paloma 1 - Odeio quando você faz isso!


Marina - Isso o quê?


Paloma 1 - Isso que você acabou de fazer! Você escancara a realidade na minha cara, sem anestesia nenhuma! Eu fico péssima!


Marina - Calma, Paloma! Você é muito ansiosa!


Paloma 1 - É sempre assim. Você adora dizer que eu sou ansiosa!


Marina - É que eu sou muito prática, meu amor, você sabe disso! Mas calma, ta? Eu vou sentir quem é esse homem, pode ter certeza disso! Vou passar esta semana aqui para tentar decifrá-lo.


Paloma 1 (À parte) - Não sei se gostei disso não...o homem é meu, eu é quem tenho que decifrá-lo...Marina quer tomar conta da minha vida como se eu fosse uma criança, quer assumir o comando. Não estou achando mais muita graça nesta invasão não...


(Marina se levanta e aumenta o som. Música alta. Pega Paloma e as duas começam a dançar. Paloma se reanima, deixa pra lá as diferenças. Estão meio de pilequinho. Estão rindo e falando alto. De repente, a música pára. Adriano entra, chegando do trabalho. Olha para as duas com olhar reprovador)


Adriano – Hoje é quarta-feira! Vocês não sabem que tenho que estudar, que preciso de paz? Por que essa música tão alta, essa zona na minha casa? Olha para você! Você está bêbada, Paloma! Bêbada! A casa está com cheiro de cigarro! Você está fumando, Paloma! Eu odeio cigarro! Vocês acabaram com a garrafa de uísque que o tio Gustavo me deu! Não dá, viu, Paloma! Você não aprende! Eu sou um médico! Tenho que viver num ambiente equilibrado e limpo; como vou estudar nesse caos? (Marina escuta aquilo e vai ficando com raiva)


Marina (Irônica) - Como vai Adriano, tudo bem?


Adriano - Tudo bem porra nenhuma! Toda vez que você aparece aqui, a Paloma fica desse jeito!


Marina - Desse jeito como? Não entendi!


Adriano - Não se faça de sonsa não, ta? Você sabe muito bem como fazer a Paloma entrar na sua! Aí ela bebe, fuma...


Marina - Ela sempre fumou e sempre bebeu, meu querido! Você é que está tentando mudar o jeito dela!


Adriano - Não! Não mesmo! Quem sempre fica tentando manipular a Paloma é você!


Paloma 1 - Vocês querem parar com isso?


Adriano - Então manda essa sua amiguinha ir tomar um banho frio e fechar essa matraca!


Marina - Em primeiro lugar, eu não tenho matraca! Em segundo lugar...


Adriano - Em segundo lugar, eu caguei pra você! Tenho mais o que fazer, querida, não vou ficar aqui batendo boca com uma mulher mal amada feito você! (Adriano vai para a sua mesa. Enquanto ele vai, Marina fala alto pra ele escutar)


Marina - Mal amada é a Paloma! Sim, porque você nem sabe que ela existe! Grosso!


Paloma 1 (À parte) - Ai meu Deus...agora ela vai me encher a cabeça.


Marina - Egoísta! Selfish!


Paloma 1 - Você quer parar com isso? Ele está nervoso.


Marina - Ele é um grosso! Um mal educado.


Paloma 1 - Não é assim...


Marina - Paloma! Você não tem nada a ver com esse cara! Pelo amor de Deus, que vida vazia que você tá levando! Sai fora! Sai fora rápido!


Paloma 1 - Marina, eu amo Adriano!


Marina - Isso não é amor! HALLOOOW!


Paloma 1 - Como não? Você está louca! Eu amo Adriano! Qualquer relação tem altos e baixos...não seja assim, tão imatura! Fatalista!


Marina - E você deixa de ser tão tolerante! Sua vida que está em jogo, querida! Cadê nosso pacto de felicidade? Cadê a tal da vida digna? Cadê os seus ideais?


Paloma 1 – Haa! Não é possível! Ainda não descobriu que a realidade é meio diferente? Claro que ainda tenho meus ideais, mas sei que nem tudo vai acontecer como eu queria. Não tem problema, eu dou meus jeitos. Você não sabe se relacionar com os homens e ainda quer que eu seja igual a você! Não quero me separar toda hora! Vai a merda!


Marina - Fala isso de novo que eu dou na sua cara!


Paloma 1 - Marina, eu não vou admitir que você fale comigo nesse tom, dentro da minha casa!


Marina - Ah, não? Pois então vamos sair! Vamos conversar na rua!


Paloma 1 - Sair pra onde?


Marina - Não sei... mas vamos mesmo assim. Precisamos conversar seriamente. Deixa eu avisar pra esse seu marido que nós vamos sair. (Vai até Adriano) Eu só vim te avisar que eu e a sua mulher vamos sair. Só vim te avisar. Tchau. (Adriano puxa Marina antes dela se afastar da mesa)


Adriano - Volta aqui. Ninguém vai sair dessa casa. Vocês estão bêbadas.


Marina - Me solta, querido! Eu conheço a Paloma há quinze anos, você está chegando agora, vamos abaixar essa crista já! (Adriano solta Marina)


Adriano - Não se mete na nossa relação!


Marina - Eu só estou defendendo a minha amiga!


Adriano - Você está é piorando as coisas. Apenas um dia aqui em casa foi o suficiente para provocar uma briga. Está satisfeita, agora?


Marina - Você está invertendo tudo! Isto é típico de quem não suporta ser confrontado!


Adriano - Chega! Volta para Nova York, Marina! Vai para o inferno! (Ambos saem. Paloma foge).


Paloma 1 - De repente, me vi sozinha, não hesitei: saí correndo. (Sai de cena. BO. Depois de um tempo, luz. Paloma está na banheira de um quarto de hotel)


Paloma 1 - Depois de correr e andar sete quarteirões, com a cabeça a mil por hora, encontrei o lugar em que eu merecia ficar esta noite: um hotel cinco-estrelas. Sem ninguém para me encher o saco. Precisava ficar sozinha, pensar com a minha cabeça. Isso é muito mais fácil aqui, nessa banheira de hidro...com a companhia ideal para esses momentos: todos os chocolates do frigobar. Aiiii...Vou dormir bem saciada, deitada numa cama fofa. Tudo como eu mereço. Este é o meu exílio! Não tenho pressa alguma em sair daqui...talvez até passe alguns dias, meses por aqui...bem longe daquele mundo que me cobra tanto...


(Respira, tapa o nariz e se afunda dentro d’água. Relaxa dentro da banheira. Transição. Adriano está trabalhando absorto em sua mesa. Marina entra. Marina entra trazendo mum café para Paloma 1)


Marina - Paloma! Palominha!


Paloma 1 - Quando acordei, Adriano e Marina estavam me esperando na entrada do hotel. Engraçado...me acham em qualquer parte...


Marina – Olha, comprei todas aquelas coisinhas que você ama na delicatessen daqueles franceses. Hummmmm...um desjejum dos Deuses, amiga.


Paloma 1 - Tá bom, eu me rendo...você é uma sedutora mesmo...(Rindo) Sa filha da puta... Droga, por que eu amo esse bando de déspotas, tiranos e manipuladores?


Marina - Porque nós cuidamos de você, sempre...(Marina e Paloma 1 tomam o café da manhã).


Paloma 1 - Era tão boa aquela época...a nossa casa em Nova York... aquele frio, lembra?


Marina - Claro que lembro. Tenho saudades.


Paloma 1 - Eu também. A vida agora é tão diferente... Parece até que aquela Paloma era uma outra pessoa...uma pessoa muito distante de mim...Você também tem essa sensação? A de que a Marina daquela época é uma outra pessoa?


Marina - Não... A Marina daquela época é só um pouco diferente de mim hoje, até porque se passaram pouquíssimos anos. Você tem essa sensação porque a sua vida hoje é completamente diferente.


Paloma 1 - Marina, você quase não falou do seu mais novo novíssimo marido. Vinte e dois aninhos, é? Sempre me disseram para experimentar um homem mais novo. São intensos, não é?


Marina - Homem mais novo é uma delícia! Dá pra manipular numa boa, a mulher é a imperatriz, a rainha dele, entendeu, Paloma? E Andrew é obediente e apaixonado! Ele satisfaz todos os meus desejos, todas as minhas fantasias. Eu te falei, né, ele é um poeta! Paloma, você precisa ver como ele é talentoso! É um geniozinho precoce, sabe, é uma espécie de Rimbaud do nosso tempo! Autêntico, livre, passional!


Paloma 1 - Adoraria ler algum poema dele.


Marina - E você vai ler! Mais rápido que imagina! É! Eu estou investindo em Andrew! Quero que ele se dedique integralmente aos poemas, portanto, além de mulher, sou uma espécie de empresária! Banco tudo: comida, casa, roupa...(Ri) E ele me paga escrevendo poemas. Sou sua musa! Sua fonte de inspiração!


Paloma 1 - Quem pode, pode! Deve ser maravilhoso ser a musa de um poeta!


Marina - Não é apenas maravilhoso, é mais que isso: é como se você fosse tão perfeita, mas tão perfeita, que você acaba se convencendo disso. É, até parei de tomar meus antidepressivos, tô me sentindo tão bem . Estou investindo tudo nele.


Paloma 1 - Preciso conhecer esse poeta ...Quero ver isso de perto! Vou passar uma semana na sua casa para conferir o talento de Andrew! Decifrá-lo!


Marina (Sem graça) - Claro...


Paloma 1 - E o que você realmente acha de Adriano, Marina?


Marina - Acho que Adriano te ama como quem ama uma menina frágil e não como quem ama uma mulher forte. E acho mais: você vai se foder se continuar a bancar a filha dele.


Paloma 1 - Te odeio Marina. Você não sabe de nada. Vai embora! (Transição. Marina troca para Paloma 2)


Paloma 1 - Hoje eu estou tão feliz! (Pega o telefone) Alô, Adriano, oi meu amor, que horas você chega hoje??


Adriano (Em sua mesa, atende o telefone celular) - Eu não tenho hora para chegar.


Paloma 1 - Preciso conversar com você um assunto muito sério. Fala, você vai chegar tarde?


Adriano - Eu não tenho hora para chegar. Qual o assunto?


Paloma 1 - Só pessoalmente. E amanhã, você chega antes da madrugada?


Adriano - Não sei, Paloma, estou no meio de uma pesquisa importante. Médico não tem hora para chegar. Esqueceu? Estou muito ocupado, Paloma. Porque não fala por telefone? Por que nunca facilita a minha vida? Qual o assunto?


Paloma 1 - Quero ter filhos! É isso. Resolvi engravidar, construir nossa família, meu amor!


Adriano - Filhos? Tá maluca, Paloma? Não vê que não tenho tempo para me dedicar a filhos agora? Só mais tarde, no futuro.


Paloma 1 - No futuro? Quando?


Adriano - Não sei, Paloma! Depois a gente fala, meu amor, me deixe trabalhar.


(Desliga. Paloma 1 fica com o fone na mão. Desliga. Música. Paloma 1 e Paloma 2 se jogam no chão, secontorcem até assumir uma posição fetal)


Paloma 2 - Há dias que passo o tempo todo na cama, comendo. Adriano está achando ótimo porque assim não atrapalho seus estudos. Não abro a boca, quase não existo. Ele chega, me dá um beijo, nem pergunta se está tudo bem para que eu não tenha chance de começar a falar. Finge não perceber que algo está acontecendo comigo, talvez uma depressão. Lembrei que ele estudou muito sobre depressão, agora que tem um caso típico de desânimo existencial dentro de sua casa, não faz nada. Estou tão apática que não pretendo fazer nada, não tenho vontade. Se eu levantar daqui, será para mudar radicalmente de vida. Será para ir até o armário, fazer as malas e mudar de país, homem, cor dos cabelos, religião, valores, amigos, tudo. Começar tudo de novo.


Paloma 1 - Algo mudou dentro de mim...estas sensações que entram e saem...estou sendo invadida por espíritos melancólicos, mas eles não ficam, apenas me visitam e vão embora... Descobri algo destrutivo dentro de mim, algo que tenta me desanimar, me enfraquecer. (Muda de posição, inquieta) Me sinto invadida...como se não fosse mais dona de mim, sinto meu corpo aberto, correndo perigo...calma. Tudo vai dar certo. Calma. Tudo tem seu tempo. Calma. Não desista.


Paloma 2 - Passo a maior parte do tempo em outro lugar...algum lugar do futuro, gozando de uma paz que só concebe quem já tem suas missões cumpridas...Passo meus dias dentro de mim...em algum estado da minha imaginação...(Reanimando-se) Estou só de férias, fora do ar por um tempo. Preciso sair dessa, antes que me apontem como “louca” aqueles que não me entendem.


Paloma 1 (Reanimando-se também) - Estou com muita saudade da minha família...dos meus amigos...da minha casa...quero voltar para o Brasil! Pro Rio de Janeiro. Andar na praia, sentir aquele sol...aquele calor de quarenta graus...samba, suor e cerveja...Ai, que saudade!


Paloma 2 - Ai, que saudade...


(Paloma 1 vai até Adriano, que continua em sua mesa, estudando)


Paloma 1 - Adriano...Adriano...Eu descobri que quero voltar pro Brasil! A gente podia se mudar para lá...eu tenho meus amigos, minha família, não vou me sentir tão sozinha como me sinto aqui. Não vou precisar tanto de você como preciso aqui.


Adriano - Paloma! Morar no Brasil! Não tem a menor condição! Eu jamais vou sair daqui desse hospital, o melhor dos Estados Unidos. Você quer o quê? Quer eu ande para trás? Daqui só para o melhor do mundo!


Paloma 2 - Onde será o melhor do mundo?


Paloma 1 - Onde fica o melhor hospital do mundo?


Adriano - Numa cidade universitária, ao norte da Alemanha.


Paloma 1 - Outra cidade pequena demais para mim. Não suporto mais estas cidades universitárias. Se ao menos nós fossemos para Berlim, ou alguma outra metrópole, eu não sofreria tanto. Me sinto oprimida nestas cidades pequenas.


Adriano - Antes de se casar comigo você já sabia que eu vinha morar aqui e que eu não teria tempo pra nada.


Paloma 1 - Pensei que eu não fosse me sentir tão sozinha.


Paloma 2 - Sinceramente, não sei mais se amo Adriano... filho da puta, egoísta, te odeio!


Adriano - Paloma, eu sou médico. A vida de um médico é assim: dedicada aos enfermos.


Paloma 1 - Eu estou enferma. Não vê que estou enferma?


Adriano - Não. Você só esta cansada. Vai dormir, Paloma.


Paloma 2 - Me sinto incompreendida.


Paloma 1 - É inútil dormir, Adriano, meu cansaço não vai passar. Vai acordar comigo. Meu cansaço é doentio. Eu estou doente, Adriano, doente. Apática, sem vida. Tira minha pressão.


Adriano - Paloma, eu não tenho a menor paciência para essas suas crises existenciais. (Serve um uísque para paloma 1)Toma, bebe. Relaxa. Não perde o controle. Você está sendo infantil. Seu único problema é que você ainda não sabe o que quer de verdade.


Paloma 1 - Sei sim. Ou pelo menos eu sabia. Você. Porque eu tenho que aceitar a sua incapacidade de se relacionar comigo? O fato de ter me casado com um médico é motivo pra ficar sem marido? Ou melhor, só ter quando cair doente?


Adriano - Paloma, eu tenho prioridades na vida.


Paloma 1 - Sim, e eu não faço parte delas, não é isso?


Adriano - Não é bem isso. Droga! Você deturpa tudo que eu falo, Paloma!


Paloma 1 - Você não sabe ser um marido. É completamente incompetente nessa função. Depois não reclama.


Adriano - Odeio ameaças. Preciso estudar, e você estragou os poucos minutos que eu tinha para nós dois. Ainda quer que eu sinta prazer em encontrar com você? Está ficando difícil.


Paloma 1 – Eu preciso de base. Eu preciso de uma família sólida!


Paloma 2 - Apenas uma parte de mim quer pertencer ao mesmo mundo de Adriano, a outra parte sabe que eu não sou dali. Estou só de passagem...Já pressinto o futuro, vou ter que fazer aquilo que odeio, tomar decisões e dar conta delas.


Adriano - Você está começando a me prejudicar profissionalmente, Paloma. Eu preciso de paz para estudar. Não de reclamações e cobranças. Eu já te falei, e vou falar pela última vez: médicos precisam de paz, artistas é que precisam de conflito. Por que você não tenta trabalhar um pouco? Se você conseguir voltar a criar eu tenho certeza que vai se animar de novo.


Paloma 1 - Ai que saudade da minha vida em Nova Iorque com a Marina...como eu me divertia! Milhões de amigos, amantes internacionais, um luxo! E a nossa casa no Village? Hummm... tão cool! Como faz falta uma amiga por perto. Uma amiga de verdade! Marcela, claro! A italiana! Esposa daquele colega do Adriano. Ele me disse que ela andava deprimida e solitária, com o mesmo problema: marido ocupadíssimo, família em outro país, nenhum filho, nenhum emprego, estrangeira, nenhum amigo de verdade na cidade... será que ela já enlouqueceu?


Marcela (Tem comportamento exagerado, tom dramático com humor. Este trecho é falado em Italiano com uma ópera ao fundo) - Ai Paloma...que bom que nos encontramos. Eu já estava a beira da loucura. Estou arruinada...destruída...


Paloma 1 - Eu também estou péssima.


Marcela - Somos iguais, Paloma, sofremos do mesmo mal. Viúva de marido vivo. Meu marido não existe, não interage, compreende? Sabe o que ele faz comigo? Antônio me ignora, e quando não me ignora fica apontando os meus defeitos, é mui crítico, insuportáble! Tenho a sensação de que nunca vou conseguir satisfazê-lo. Mas mesmo assim eu me esforço. Toda noite faço um jantarzinho pra ele e espero ele chegar vestida de vermelho fogo, toda perfumada, decotada, estupenda! Me quedo pensando: hoje vai ser diferente! Aí ele chega e simplesmente não me vê, não me beija, não me come, não faz nada, Palomita! Nada! Estou desesperada, minha querida, desesperada! Você já pensou em amar outro homem, Palomita? (Paloma 1 não consegue responder) Isso até já me passou pela cabeça algumas vezes...mas...sou louca por ele! Antônio era um toureiro quando nos casamos, um autêntico amante espanhol! Agora virou um médico americano de merda! Chatíssimo! Estou mui nervosa, mui nervosa! O que eu preciso fazer é ter paciência... um dia, Antônio vai ter mais tempo para mim. Aí ele vai perceber que ainda me deseja, que ainda me ama!


Paloma 1 - E se isso não acontecer? Se ele for sempre assim, vale a pena?


Marcela - Não, lógico que não! Eu sou uma italiana caliente!


Paloma 1 - Fale sobre isto com ele!


Marcela - Vou dizer o quê?


Paloma 1 - Vai dizer que assim você não quer!


Marcela - De jeito nenhum! Se eu falar isso, ele me abandona!


Paloma 1 - E será que não é melhor? Não é melhor ficar sozinha de verdade do que viver desse jeito? (Marcela não responde. Troca de volta para Paloma 2)


Paloma 1 - Comecei a pensar no tempo...nos minutos “mal-aproveitados”, jogados no lixo...dados aos homens errados...Marcela poderia ser bem mais feliz... e eu também.


Paloma 2 - Até quando vou suportar esta vidinha sem emoções que Adriano me oferece? Tô de saco cheio! Quero me separar!


Paloma 1 - Adriano, eu quero dar um tempo! Cansei! Não dá mais! Eu não sou a mulher certa pra você! Não sei ser mulher de médico! Eu estou falando sério! (Adriano não reage)


Paloma 2 - Quero um homem que me diga “eu te amo” pelo menos três vezes a cada meia hora! Quero pelo menos sete orgasmos por semana! Quero poder ser romântica, passional, ninfomaníaca!


Paloma 1 - Vamos dar um tempo!


Paloma 2 - Diz que me ama! Diz que me ama, pelo amor de Deus! Diz que não vai conseguir ficar sem mim! Diz! Diz, Adriano, diz! Implora pra eu ficar com você! Não me deixe, por favor! Diz bem alto: eu te amo, Paloma!


Paloma 1 - Não vai dizer nada Adriano?!


Adriano - Eu ouvi. Não precisa gritar. Quer dar um tempo? Tem certeza?


Paloma 1 - Absoluta! Não dá mais! Não sei me conformar com essa sua realidade!


Adriano - Você está deprimida, só isso!


Paloma 1 - Estou deprimida sim! E sabe por que? Porque estou me sentindo um lixo! Porque o homem que eu amo nem sabe que eu existo! Se eu pintar o meu cabelo de azul, você nem vai notar!


Adriano - Se você pintar o seu cabelo de azul, vai ficar parecendo a mulher do Simpson!


Paloma 1 (Grita) - Eu estou falando sério!


Adriano (Rindo) - E eu também! A mulher do Simpson tem aquele cabelo azul, pra cima, parece uma torre!


Paloma 1 - Quem parece uma torre é você! Uma torre de gelo!


Adriano - Paloma, o que você quer mais de mim?


Paloma 1 - Atenção!


Paloma 2 - Quero que você me diga “eu te amo” pelo menos três vezes a cada meia hora! Quero pelo menos sete orgasmos por semana!


Adriano - Eu faço o que eu posso! E depois...eu sou assim...fechado, racional demais... sempre fui! Essa é a minha natureza!


Paloma 1 - E eu sou romântica!


Paloma 2 - Passional, ninfomaníaca!


Adriano - Então...o que a gente faz?


Paloma 1 - Vamos dar um tempo.


Paloma 2 - Diz que me ama! Diz que me ama, pelo amor de Deus! Diz que não vai conseguir ficar sem mim! Diz! Diz, Adriano, diz! Implora pra eu ficar com você! Não me deixe, por favor! Diz bem alto: eu te amo, Paloma!


Adriano - Tá bom, se você quer assim, assim será! Depois não vá se arrepender!


Paloma 1 - Eu? Me arrepender? Nunca, eu vou ficar muito melhor sem você!


Paloma 2 - Não é verdade, Adriano! Implora pra eu ficar com você! Não me deixe, por favor! Diz bem alto: eu te amo, Paloma!


Adriano - Pode ser...mas, você sabe, claro...eu vou sair com outras mulheres durante este “tempo”.


Paloma 1 - Sai com quem você quiser. Eu não me importo!


Paloma 2 - Não, é mentira! Ai que ódio, se alguma piranha encostar nele eu morro.


Paloma 1 - E sabe o que mais? Eu vou fazer o mesmo!


Adriano - Sabia que você está um tesão hoje...


Paloma 1 - É? Pois fique sabendo que eu estou um tesão sempre! (Paloma 1 abre a garrafa de vinho, dá um cálice para Adriano e serve a si própria) Então vamos fazer um brinde à liberdade. Poder ficar de novo à vontade um com o outro. Agora estamos livres, completamente livres. Como num toque de mágica, tudo o que era fardo se diluiu. Agora podemos fazer o que realmente estivermos a fim, sem alianças nem compromissos...(Brindam)


Paloma 2 - Confesso que sinto muito medo de soltá-lo no mundo...porém um medo que me excita, um risco que me reacende. Isto me parece bem mais emocionante do que continuar tudo como estava.


Paloma 1 - Você me ama? Adriano, você ainda me ama?


Adriano - Te amo muito, você é que não me ama mais...


(Adriano prepara-se para sair. Enquanto isso Paloma 1 fala, a amante se aproxima de Adriano e os dois dançam, se beijam)


Paloma 1 - Que insanidade recusar o amor de um homem. Isso me assusta: meu marido descobrindo o corpo de outra mulher. O mesmo olhar voraz se repetindo com outra, detalhes que eu pensava serem só meus. Não. Eu não consigo. Tenho certeza que o amor que ele sente por mim, me torna especial, me torna única. Ele vai voltar sempre correndo para os meus braços. Ele já está completamente contaminado por mim...precisaria me exorcizar para amar outra. Sem isso, não há mulher que encontre uma brecha para penetrar, porque sou a dona de todas as portas. Pára! (Luz. Passagem de tempo. Adriano saiu de cena. As palomas rondando pela casa na madrugada, atordoadas)


Paloma 1 - Quase 3 horas da madrugada...Adriano continua na rua. Vou tentar dormir...Por que ele não telefona? Por que eu não tenho uma amiga nessa merda dessa cidade?


Paloma 2 - Solidão de novo...eu estava com medo de que isto acontecesse...


Paloma 1 (Tenta ligar para alguém) - Alô! Alô! Caiu a ligação! Saco! Também, quem vai ficar atendendo telefone às 3 e meia da manhã! Só quem sofre de insônia...assim como eu... (Tempo) - Foda-se!! São 3h 45 da manhã!! Que sensação ruim...difícil de agüentar...raiva, fúria...Adriano existe? A bosta desse telefone está mudo!


Paloma 2 - Mudo?! filho da puta!! (Trovão)


Paloma 1 - A chuva não pára...o filho da puta do telefone está desconectado, Adriano também continua desconectado...Quero dormir!


Paloma 2 - Quero dormir! Preciso dormir!


Paloma 1 e Paloma 2 (Juntas) - Foda-se!


(As Palomas juntam diversos comprimidos diferentes. Com um grito desistem de tomá-los e se abraçam. Paloma 2 pega os materiais de criação e começa a trabalhar, enquanto Paloma 1 guarda os comprimidos. Senta-se na mesa de Adriano e escreve)


Paloma 1 - Eu preciso me resgatar. Eu preciso me reencontrar com urgência. Preciso ser fiel a mim mesma.


(Paloma 1 vai para o outro lado do palco e senta também com seus materiais. Começa a trabalhar. Passam a trabalhar incansavelmente. Paloma 1 pendura no cenário uma das máscaras que fez. Adriano chega, vai até Paloma. Nota o trabalho. Reage com satisfação moderada. Vai até sua mesa. Adriano sai da mesa e vai até Paloma 2. Nota o trabalho avançado, observa-o com carinho. Esboça um sorriso de satisfação. Sai. Paloma 1 pára de trabalhar, vai até onde está Paloma 2 levando uma máscara semi-pronta. Coloca-a no chão, à frente de Paloma 2, que deita para descansar. Adriano retorna, observa tudo com um largo sorriso. Coloca uma rosa ao lado da máscara. Dá um beijo na testa dela e sai. Paloma 1 acorda. Reage à rosa)


Paloma 1 - Preciso sair.


Paloma 2 - Ver gente. Acho que hoje estou com vontade de cometer algum crime...mas tem que ser assim, um crime muito competente... Deve ter algum bar aberto nessa cidade.


Paloma 1 - Tem sim. Aquele. (Palomas 1 e 2 vestem-se para sair. Entram no bar. Encontram o homem)


Paloma 2 - Pára tudo! Olha só quem está aqui. Já conheço esse cara... Hum...Ele me atrai estranhamente. Parece tão interessante...(Paloma 1 começa a olhar para ele)


Amante - Oi...


Paloma 1 - Oi...


Amante - Você vem sempre aqui?


Paloma 1 - Não, eu só vim hoje porque...eu e meu marido estamos meio que...dando um tempo, e então...


Amante - E então?


Paloma 1 - E então eu posso conhecer outra pessoa, sem culpa, porque ele está fazendo o mesmo.


Amante - Ah, é!? (Paloma 1 ri sedutoramente)


Paloma 2 - Deixa rolar...


Amante - E onde ele está agora? Esse é o único lugar que não fecha em toda a cidade...todo mundo está aqui...


Paloma 1 - Ele não. Nem se preocupe. Ele deve ter ido atrás da estagiária dele, uma pin-up alemã. Ela vive provocando ele. Sabe como são as estagiárias, não é? Pois é...e eu tinha pedido um tempo, depois desisti, mas ele nem sabe...saiu por aí, quer se divertir um pouco com a escravinha.


Paloma 2 - Me beija ! Quero ser invadida por um viking! Um guerreiro bárbaro! Você!


Amante - Como é seu nome?


Paloma 1 - ... Susie ...desculpa, nem me apresentei, e você, como se chama?


Amante (Com um sorriso) - Bob... Te deixei sem graça , não é?


Paloma 1 - Eu sou meio impulsiva mesmo.


Paloma 2 - E Você é estonteante, querido!


Amante (Ri) - Você é linda. Posso te contar um segredo?


Paloma 1 - Hum –hum...


Paloma 2 - Adoro segredos...


Amante - Eu já tinha te visto antes aqui no bar, e...não vou mentir não...(Bem americano) You are so nice, girl! You ligth my fire, baby!


Paloma 1 (Insinuante) – Oh, Bob! Don’t say that, man!


Paloma 2 (Dançando) – Oh, Bob! Kiss me now!!


Amante - Não brinca comigo não. Depois seu marido vem atrás de mim, eu tenho um nome a zelar.


Paloma 1 - Meu marido tá com aquela pin-up alemã! Não me lembra disso não! Vem...came on baby ligth my fire! (Paloma 1 e o amante se beijam)


Paloma 2 - Procurei outro homem, e encontrei de novo meu Adriano.


Paloma 1 - Bob, você também é casado?


Amante - Sou, com uma artista.


Paloma 1 - Adriano, você nunca tinha me chamado assim de “artista”.


Adriano - Eu chamava sim. Talvez de outra maneira.


Paloma 1 - Então me chama de novo de “artista”. Quero ouvir


Adriano - Artista! Artista! (Eles riem. Abraçam-se. Rolam na cama)


Paloma 2 (De noiva, caminhando “para o altar”) - Eu Paloma, aceito Adriano Cortez como meu legítimo esposo e prometo...


Paloma 1 - ...ser fiel na alegria e na tristeza, amando-o e respeitando-o por todos os dias da minha vida.


Adriano - Você promete que não vai mais dar bola pra nenhum Bob por aí?


Paloma 1 - Eu prometo que vou ser mais fiel a mim mesma. Você promete estar em casa quando você está em casa?


Adriano - Você promete gostar mais dessa cidade?


Paloma 1 - Promete que a gente vai a Nova Iorque pelo menos uma vez por mês?


Adriano - Prometo que eu vou te ajudar a fazer uma exposição lá. Você promete pegar de volta a chave da Marina?


Paloma 1 - Você promete que não vai dar mais tanta atenção pra sua estagiária?


Adriano - Que estagiária? Não tem nada a ver!


Paloma 1 - Promete que vai dizer eu te amo três vezes a cada meia hora?


Adriano - E você promete que vai casar com um médico?


Paloma 1 - Você promete que vai CASAR?


Adriano - Só se a gente tiver um monte de filhos!... (Música)



FIM






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Esta peça, baseada no romance homônimo, foi adaptada para o palco pela autora e Regiana Antonini.









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