segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tennessee Williams
(1911-1983)

Harold Bloom


Embora Willians tenha aprendido muito do seu ofício com Tchecov, seus principais predecessores foram Hart Crane e D. H. Lawrence. Crane matou-se em 1932; Lawrence morrera de tuberculose em 1930. Williams, jovem quando os dois faleceram, apaixonou-se pela poesia de Crane, em 1936, e pelos escritos de Lawrence pouco tempo depois.

A influência de Crane e Lawrence em Williams foi mais do que textual, com efeito, mais do que literária. Foi pessoal e, no caso de Lawrence, aproximava-se de uma identificação total. Na qualidade de poeta, Williams foi anulado por Crane; na qualidade de ficcionista, foi sufocado por Lawrence. Felizmente, Williams era um dramaturgo lírico, livre para encontrar a própria voz em suas melhores peças: À margem da vida (1945), Um bonde chamado desejo (1947), Verão e fumaça (1948) e De repente, no último verão (1958).

As peças escritas por Williams nos últimos 25 anos de vida denotam um declínio e, embora não se possa dizer que o seu gênio tenha perecido, o autor parece um tanto ou quanto alienado com relação a ele. Contudo, ainda na última fase da carreira, Williams escreve de modo mais memorável e eloqüente do que qualquer outro dramaturgo norte-americano. A arte retórica de Crane produziu efeito positivo e revigorante na linguagem de Williams. A absorção da identidade de Crane, por parte de Williams, foi tão abrangente que não me ocorre nenhum paralelo em toda a história literária. O próprio Hart Crane, quando intoxicado, identificava-se com Christopher Marlowe e com Rimbaud. Talvez nessa vertente perigosa ele fosse também um paradigma para Tennessee Williams.

É plausível aventar que um escritor, um indivíduo, seja dotado do gênio da identificação? Ainda criança, apaixonei-me pela poesia de Hart Crane, assim como fui arrebatado pela obra de William Blake. A identificação se deu com a poesia, não com os poetas. Escrevemos livros sobre Shelley, ou Wallace Stevens, ou Yeats, identificando-nos com aquilo que mais se apodera de nossa alma, enquanto leitores.

No caso de Shakespeare, a situação é diferente; nenhum ser humano, sozinho, pode identificar-se com todo aquele cosmo de poesia, portanto, identificamo-nos com um determinado personagem, ou personagens. Certos dias, tenho a satisfação de murmurar falas mais ousadas de Falstaff, e já tive a ousadia de representar o papel em leituras dramáticas. Mas, no meu caso, trata-se da identificação de um crítico, não de um poeta, de um dramaturgo ou de um contista.

Williams tornou-se um grande dramaturgo, em ao menos quatro peças, identificando-se tanto (ou mais) com um poeta quanto com a poesia por ele escrita. Essa fusão com Hart Crane foi tão abrangente que as duas mães, Grace Hart Crane e Edwina Estelle Dakin Williams, também se fundiram, propiciando modelos para Amanda Wingfield, em À margem da vida, e Violet Venable, em De repente, no último verão.

Nas últimas peças experimentais, Williams aproximou-se do teatro de Pirandello, mas, sendo um dramaturgo imensamente retórico, sempre demonstrou afinidade com o mestre siciliano, a quem Eric Bentley destaca como o melhor dramaturgo desde Ibsen, superior até mesmo a Beckett e Brecht. Pirandello estava ciente da tradição retórica siciliana, iniciada por Empédocles e desenvolvida por Górgias, o Sofista, opositor de Sócrates e Platão.

Essa retórica de kairos, a palavra oportuna, a palavra que é ação, no momento oportuno, baseia-se no impulso de identificação, daí a sua utilidade na política e no Direito, opondo-se ao impulso de distinguuir o sapiente do sabido, segundo Sócrates. A arte de Williams depende do impulso de identificação, por parte do público, sendo por essa razão que ele trata com igual simpatia o "realista" Kowalski e Blanche DuBois, apóstola do desejo. Em Pirandello, Blanche triunfaria, por mais equivocada que estivesse, mas Williams, malgrado o próprio coração, identifica-se também com o mundo que destrói a graça e a melancolia. Nesse caso, o gênio da identificação foi bastante útil a Williams.
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Extraído de Gênio - os 100 autores mais criativos da História da Literatura ((Editora Objetiva)



 

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