sexta-feira, 13 de maio de 2011

Teatro/CRÍTICA

“Depois do filme”

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Ótima montagem inaugura o Poeirinha

Lionel Fischer

Antes de analisar o espetáculo em questão, julgo imprescindível reproduzir um delicioso fragmento do programa, no qual Aderbal Freire-Filho enumera 14 razões para “não escrever um texto para este programa”. Vamos a elas:
Já escrevi a peça/ Não tenho o que falar do elenco/ Pior ainda, não tenho elenco/ Quero vender um livro com o texto da peça, se o programa for grosso (o contrário de fino, não o contrário de bem educado) vou fazer concorrência a mim mesmo/ Não quero influenciar a leitura crítica (latu sensu) do espetáculo com o que poderia dizer no programa/ Meu pai falava de um vendedor de empadinha de camarão que não botava camarão nas empadas dizendo: doutor, uns gostam, outros não gostam, melhor não botar/ Uns lêem, outros não lêem, melhor não escrever/ Já escrevi tantos textos para programas, prefácios, posfácios, orelhas (de livros), contra-capas, que é melhor parar antes de virar o maior escritor menor de Ipanema/ Quando vejo um programa desprezado numa cadeira de teatro depois do espetáculo me digo: o pessoal da arte me cobrou tanto, virei uma noite para não perder o prazo, pra isso?/ Na Broadway não tem nada disso, basta o currículo de cada um e pronto, é muito mais informativo, o resto é frescura/ Até este momento o espetáculo não tem patrocinador (me inscrevi em oito editais, perdi em todos), não dá pra gastar papel/ Não tenho mais idade/ Não ganho pra isso/ Aliás, nesse espetáculo não ganhei para fazer nada/ Está na hora do ensaio.
Tendo como protagonista Ulisses, mesmo personagem interpretado por Aderbal no filme “Juventude”, de Domingos Oliveira, aqui o seguimos depois do filme, quando o personagem tem que se confrontar com a vida real. E esse embate revela-se profundamente doloroso, pois o protagonista tenta inutilmente resgatar sua juventude, administrar uma cabeça cheia de sonhos e um corpo que já não responde às suas vontades.
Curiosamente, mesmo sabendo que está sendo forçado a lidar com o real da vida, o personagem age como se estivesse fazendo um filme – ele detalha planos, relaciona-se com outros personagens (que ele mesmo encarna) reais ou fictícios, revisita lugares que freqüentou quando era jovem etc. Mas nada disso consegue aplacar sua progressiva angústia, fruto sobretudo da permanente alternância de ficção e realidade, que situa o personagem numa espécie de limbo existencial do qual não parece haver escapatória.
Eis, em resumo, o enredo de “Depois do filme”, que inaugura o Teatro  Poeirinha, anexo ao Teatro Poeira. Aderbal Freire-Filho assina o texto, a direção e dá vida ao único personagem.
Sendo Aderbal Freire-Filho um homem de teatro completo, na acepção máxima do termo – escreve, dirige, atua, dá cursos, traduz etc. – e, além disso, um artista absolutamente íntegro, fiel às suas convicções e inteiramente alheio a modismos, em nada me surpreende o excelente resultado aqui obtido. A partir de um texto que levanta questões da mais alta pertinência, de uma dinâmica cênica despojada, mas sempre expressiva, e de uma atuação marcada por comovente entrega, “Depois do filme” inaugura com êxito absoluto o charmoso Teatro Poeirinha, que certamente haverá de dar continuidade à excelente programação de seu “irmão mais velho”.

DEPOIS DO FILME – Texto, direção e atuação de Aderbal Freire-Filho. Teatro Poeirinha. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 19h.  

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