quinta-feira, 14 de abril de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Patagônia"

........................................................
Lágrimas e risos no Planetário


Lionel Fischer


"Duas prostitutas se encontram no enterro de uma cafetina e vão, pouco a pouco, se conhecendo. Trocam confidências e informações de suas vidas profissionais, falam da infância, suas frustrações, suas dores, seus momentos de prazer e alegria e principalmente de seus sonhos. A cada revelação, a história muda de rumo. A cada instante, uma nova surpresa. O espectador é chamado para cúmplice desse diálogo cômico e acompanha passo a passo a evolução do relacionamento das duas num suspense que cresce na medida em que os pedaços do quebra-cabeça se juntam para compor um quadro de muita ternura e solidariedade".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, sintetiza o enredo de "Patagônia", que marca a estréia de Furio Lonza como dramaturgo - dentre outras atividades, Lonza escreveu romances juvenis ("As mil taturanas douradas"), livros de humor ("O que é isso, maconheiro?") e foi um dos editores da revista Chiclete com Banana, do cartunista Angeli. Em cartaz no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), a montagem chega à cena com direção de Xando Graça e elenco formado por Joana Lerner e Diana Hime.

Ao deixar o teatro, na noite de ontem, o fiz sem saber ao certo se havia gostado ou não do texto. Mas como nutro particular simpatia pela dúvida, posto que ela me obriga a pensar, resolvi só escrever a crítica hoje, ao contrário do que pretendia. E esse intervalo maior me permitiu enxergar com clareza tanto os muitos méritos da peça como aquilo que nela me incomodou um pouco. Vamos, então, começar pelo "incômodo".

Este não constitui nada muito grave, mas realmente acho que a peça poderia ter menos "surpresas e revelações". Tais predicados, tipicos de um estrutura folhetinesca, aqui me parecem excessivos, pois fica-se com a impressão de que, na ausência das tais surpresas e revelações, o autor não conseguiria sustentar sua narrativa, o que é absolutamente falso em função das qualidades que aponto em seguida. 

Posso estar completamente enganado, mas me parece que Furio Lonza escreveu uma tragicomédia, gênero sujeito a muitos riscos pois está atrelado a uma permanente mescla de humor e dramaticidade. Isto não significa, como já foi dito, que a todo momento tenhamos que nos deparar com surpresas e revelações, mas fundamentalmente com alternâncias de climas emocionais, o que é completamente diferente. 

Afora isso, o autor criou duas personagens interessantes que, através de diálogos bem construídos, abordam temas da maior pertinência, como a solidão, o desamparo, a frustração diante de sonhos irrealizados, o cinismo como recurso para sobreviver a muitas perdas etc. Mas, ao mesmo tempo, também percebemos que a esperança de transcender um presente amargo não desapareceu por completo, o que torna coerente o desfecho da narrativa.

Com relação ao espetáculo, Xando Graça teve o bom senso de perceber que, num texto desta natureza, o que realmente importa é investir no trabalho das intérpretes, deixando de lado inúteis mirabolâncias formais. E, neste sentido, sua direção merece ser considerada excelente, pois todas as marcações visam explicitar, de forma clara e objetiva, os conteúdos em jogo. 

Joana Lerner e Diana Hime são atrizes ainda bem jovens, mas que já revelam uma maturidade artística nada desprezível. Entregando-se por completo às personagens que encarnam e conseguindo estabelecer ótima contracena, Joana e Diana revelam-se intérpretes cujas trajetórias merecem ser acompanhadas com grande interesse. 

No tocante à equipe técnica, Carlos Alcantarino assina uma cenografia simples e funcional, sendo corretas a trilha sonora de Carlos Café e  a iluminação de Paulo César Medeiros, cabendo um destaque especial aos ótimos figurinos, supervisionados por Flávio Souza.

E, finalmente, um registro que não pode passar em branco: a presente produção chegou à cena sem contar com nenhum patrocínio, o que só faz demonstrar, de maneira inequívoca, que doses equivalentes de imaginação e determinação são suficientes para materializar qualquer sonho - o pesadelo consiste no inverso, ou seja, achar que nada pode ser feito na ausência de apoio financeiro de instituições ou de utópicos mecenas.  

PATAGÔNIA - Texto de Furio Lonza. Direção de Xando Graça. Com Joana Lerner e Diana Hime. Teatro Maria Clara Machado. Terças e quartas, 21h.        

Nenhum comentário:

Postar um comentário