segunda-feira, 18 de abril de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Ninguém falou que seria fácil"

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Adorável brincadeira de criança


Lionel Fischer


"Como em uma brincadeira de criança, um jogo de amarelinha fragmentado e mutável, os personagens saltam da infância para as angústias da vida adulta, da velhice para o encontro amoroso, da sala de parto para a morte. Assim que os espectadores se acomodam, uma discussão de casal inicia uma vertiginosa troca de papéis, que irá carregá-los por lugares, épocas e situações diversas. Um homem se torna pai mas não quer deixar o colo da mãe, uma filha argumenta racionalmente sobre as razões para não largar a chupeta, um jovem recém-formado decide hibernar, irmãos disputam comida e carinho em duelos cinematográficos, os filhos crescem e se tornam pais..."

O trecho acima, que consta do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Mônica Riani, sintetiza de forma irrepreensível não apenas algumas das mais significativas passagens do presente espetáculo, mas sobretudo o espírito que o anima: uma brincadeira de criança.

Mas isto não significa, obviamente, que estejamos diante de uma montagem dirigida ao público infantil, e sim de algo que, através do lúdico, nos convida a sermos cúmplices de permanentes construções e desconstruções, inversões de papéis, recriação do real, e assim por diante, exatamente como fazem as crianças.  

Em cartaz no Teatro Municipal Maria Clara Machado, "Ninguém falou que seria fácil" é o segundo espetáculo do grupo Foguetes Maravilha (o anterior foi "Ele precisa começar"). De autoria de Felipe Rocha, a montagem chega à cena com direção de Alex Cassal (co-direção de Rocha) e elenco formado por Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabello. 

Como já deve ter ficado implícito, estamos diante da rara oportunidade de rever nossa postura no que concerne ao ato de assistir a um espetáculo. Se nos mantivermos aferrados à crença de que um bom texto deve seguir à risca os cânones que norteiam a dramaturgia tradicional, estaremos perdidos.

Mas se, ao contrário, nos colocarmos disponíveis para apreender o que nos é oferecido muito mais através de sentimentos e sensações do que de procedimentos lógicos e racionais, aí então deixaremos o Planetário convictos de que, a exemplo das crianças, podemos perfeitamente lidar com o real da vida sem que isto implique em renunciar à nossa tão esquecida capacidade de recriá-la por meio da fantasia. 

Isto posto, torna-se evidente que tanto o ótimo texto de Felipe Rocha quanto a direção de Alex Cassal (com a parceria de Felipe) nos propõem uma espécie de co-autoria, nos demandam uma postura muito mais de cúmplices do que de meros espectadores. Ou seja: ou você entra no jogo ou não entra. Ou você é "capturado" ou não é. No meu caso, entrei no jogo e fui totalmente capturado. Daí minha felicidade durante todo espetáculo e após o mesmo ter-se encerrado.

Valendo-se de uma dinâmica cênica em total sintonia com o material dramatúrgico, com permanente alternância de climas e abruptos cortes que surpreendem e encantam em igual medidaCassal e Rocha exibem o mérito suplementar de haverem extraído ótimas atuações do elenco - no caso de Rocha, suponho que deva ter permito ao parceiro de direção um valioso "olhar de fora".

Renato Linhares, Stella Rabello e Felipe Rocha parecem ter nascido com a expressa finalidade de encarnar os muitos personagens de "Ninguém falou que seria fácil" - no caso de Rocha, é até compreensível...Exibindo performances irretocáveis, tanto no que diz respeito ao texto articulado como em relação às diversificadas composições físicas, o trio ainda evidencia maravilhosa contracena e comovente prazer de compartilhar o mesmo palco. Aos três, portanto, só me resta agradecer a noite tão emocionante e divertida que me proporcionaram, e desejar uma longa carreira para esta montagem tão apaixonante.

Na equipe técnica, Alice Ripoli assina uma impecável direção de movimento, sendo de altíssimo nível a expressiva iluminação de Tomás Ribas, a mesma expressividade presente na despojada e inventiva cenografia de Aurora dos Campos, na direção musical de Rodrigo Marçal e nos figurinos de Antônio Medeiros.

NINGUÉM FALOU QUE SERIA FÁCIL - Texto de Felipe Rocha. Direção de Alex Cassal (co-direção de Rocha). Com Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabello. Teatro Maria Clara Machado. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.

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