segunda-feira, 14 de março de 2011

Teatro/CRÍTICA

“As próximas horas serão definitivas”

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Texto minimiza enredo interessante

Lionel Fischer

Ao tomar a defesa do irmão gay, ofendido supostamente por um homofóbico num bar, Gabriel acaba cometendo um assassinato, ainda que involuntário. A partir daí, e não desejando ser preso, ele e a mulher, Olívia - com quem vive há oito anos - saem em fuga pelas estradas, hospedando-se em variados quartos de hotel. Durante esse período, discutem o “acidente”, assim como reavaliam sua relação amorosa.
Eis, em resumo, o enredo de “As próximas horas serão definitivas”, de autoria de Daniela Pereira de Carvalho. Em cartaz no Espaço Cultural Sergio Porto, a montagem chega à cena com direção de Gilberto Gawronski  e elenco formado por Guta Stresser e Sacha Bali.
Como se vê, estamos diante de um enredo potencialmente muito interessante, já que a dramaticidade do contexto possibilitaria, ao menos teoricamente, uma pertinente reflexão sobre vários temas, dentre eles a culpa e a possibilidade do amor sobreviver diante de uma situação trágica – é sabido que, em situações de exceção, inevitavelmente todas as máscaras caem e o que resta é a nossa verdadeira face.
No entanto, ao longo de toda a peça, não consegui entender muito bem o que de fato pretendia a autora. No release que me foi enviado, ela afirma: “Nesta peça, falo sobre o ideal de amor no mundo contemporâneo”. E, mais adiante, arremata: “Até que ponto, em nome do amor e do ser amado, é justificável abrir mão de si mesmo?”
No presente caso, ao que tudo indica, seria Olívia quem estaria “abrindo mão de si mesma”, desde o momento em que se dispõe a ficar ao lado do homem que ama, arriscando-se, inclusive, a uma posterior acusação de cumplicidade – não sei se o termo jurídico correto é este, mas de qualquer forma deve haver algum que incrimine a pessoa que ajuda um assassino em fuga.
Entretanto, em sua maior parte, sobretudo no início da peça, Olívia se comporta quase que como uma alienada, dando a entender que não está compreendendo muito bem a gravidade da situação. E mesmo mais adiante, quando esta alienação inicial se minimiza, ainda assim a personagem só muito raramente age em sintonia com o gravíssimo contexto.
Afora isto, e excetuando-se algumas poucas passagens, as reflexões dos dois personagens jamais ultrapassam o nível do previsível e não raro sugerem que ambos não estão vivendo momentos que necessariamente exigiriam uma exasperação bem maior que a exibida. Quanto ao final, que evidentemente não explicitarei aqui, este me parece totalmente arbitrário, como se a autora não soubesse como dar um fim convincente à sua narrativa.
No que se refere ao espetáculo, Gilberto Gawronski impõe à cena uma dinâmica em sintonia com o material dramatúrgico. Mas mesmo levando-se em conta a criatividade de muitas de suas marcações, estas não são suficientes para compensar a fragilidade do texto, da mesma forma que as seguras interpretações de Guta Stresser e Sacha Bali não conseguem camuflar a inconsistência dos personagens que encarnam.
Na equipe técnica, Gilberto Gawronski responde por uma cenografia que atende a todas as necessidades da narrativa, sendo corretos os figurinos de Antônio Guedes, a iluminação de Paulo César Medeiros e a trilha sonora de DJ Nervoso.

AS PRÓXIMAS HORAS SERÃO DEFINITIVAS – Texto de Daniela Pereira de Carvalho. Direção de Gilberto Gawronski. Com Guta Stresser e Sacha Bali. Espaço Cultural Sérgio Porto. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.







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