quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Chopin & Sand: romance sem palavras"

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Paixão e música nos Correios


Lionel Fischer


Os espectadores mais familiarizados com a música clássica sabem que Frédéric Chopin foi o maior compositor no que concerne a obras pianísticas, tendo esgotado praticamente todas as possibilidades expressivas do instrumento. Da mesma forma, os ditos espectadores também sabem que o gênio polonês manteve, durante longo tempo, um tumultuado romance com a excêntrica escritora que assinava suas obras com o pseudônimo de George Sand.

Quanto aos não familiarizados, estes têm agora uma excelente oportunidade de entrar em contato não apenas com fragmentos de obras imortais de Frédéric Chopin, mas também com aspectos relevantes de sua vida, trajetória artística e da já mencionada relação com George Sand.

Em cartaz no Centro Cultural Correios, "Chopin & Sand: romance sem palavras" leva a assinatura de Walter Daguerre, estando a direção a cargo de Jacqueline Laurence. No elenco, Marcelo Nogueira dá vida ao compositor, cabendo a Françoise Forton encarnar a escritora. E dividindo a cena com ambos, a consagrada pianista clássica Linda Bustani.

Em respeito aos espectadores não familiarizados com o contexto, julgo procedente não revelá-lo, pois isso os privaria de imprevistas revelações que certamente haverão de causar uma mescla de espanto e encantamento. Mas posso, evidentemente, afirmar que o autor não se baseou apenas na correspondência trocada entre os dois artistas, ainda que ela esteja na origem do texto.

Walter Daguerre foi muito além: partindo da realidade, transcendeu-a criando dois "personagens" que, se por um lado correspondem ao que se sabe deles, por outro não deixam de exibir características ficcionais - afinal, cartas não são suficientes para retratar todas as nuances de uma convivência.

Portanto, considero da maior pertinência o presente texto, pois além de muito bem escrito tem ainda o valor suplementar de possibilitar, sobretudo ao público jovem, acesso à vida e trajetória artística de dois exepcionais criadores.

Com relação ao espetáculo, Jacqueline Laurence impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, ao explorar com a mesma eficiência e sensibilidade os múltiplos climas emocionais em jogo. E cabe ainda ressaltar não somente sua ótima atuação junto ao elenco, mas também a forma que encontrou para integrar Linda Bustani à montagem.

Na pele de Chopin, Marcelo Nogueira consegue materializar os principais aspectos de uma personalidade ao mesmo tempo forte e frágil, melancólica e eventualmente eufórica, assim como sua enorme carência afetiva, nostalgia da pátria e da família e, em larga medida, dependência daquela a quem amava. Cabe também destacar que Nogueira executa com eficiência alguns fragmentos de músicas do compositor. 

No tocante a Françoise Forton, acredito que a atriz exiba aqui a melhor performance de sua carreira no teatro. Sua composição de George Sand é simplesmente impecável, já que consegue valorizar tanto o autoritarismo, determinação e dureza de Sand quanto seu desmedido amor pelo compositor, por quem zelava com um carinho quase maternal, graças ao qual, ao que suponho, Chopin viveu mais tempo do que o previsto em função de sua tuberculose.

Chegamos, agora, a Linda Bustani. Pianista consagrada nacional e internacionalmente, ela executa com extrema emoção e impecável técnica vários fragmentos de célebres composições de Chopin. Mas o grande "achado" de sua participação reside na constante integração que se estabelece entre ela e Chopin - muitas vezes, Nogueira inicia uma música em "seu piano" e Linda, em outro, dá seqüência à mesma. O efeito é surpreendente e emocionante. E quando toca apenas para sublinhar um determinado clima emocional ou preencher uma passagem de tempo, aí mesmo é que todos os méritos desta mestra do piano afloram de forma a gerar na platéia uma emoção intensa e inesquecível.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo e arrebatado entusiasmo a direção musical de Roberto Duarte, a trilha sonora (escolha das músicas, evidentemente) de Alexandre Elias, a direção de movimento de Giselda Fernandes, a belíssima cenografia de Ronald Teixeira (também responsável pelos irretocáveis figurinos) e a expressiva iluminação de Renato Machado, que muito contribuem para tornar obrigatória uma imediata visita ao Centro Cultural Correios.

CHOPIN & SAND: ROMANCE SEM PALAVRAS - Texto de Walter Daguerre. Direção de Jacqueline Laurence. Com Marcelo Nogueira e Françoise Forton, que dividem a cena com a pianista Linda Bustani. Centro Cultural Correios. Quarta a domingo, 19h. 

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