segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Teatro/CRÍTICA

                           "A lua vem da Ásia"

..........................................
Divertido e trágico diário


Lionel Fischer


"Em 1997, um ano antes de morrer, o escritor mineiro Campos de Carvalho concedeu sua primeira e última entrevista a uma emissora de TV. Após 40 minutos, o entrevistador, desesperado, tentava fazer com que o escritor dissesse algo que fosse além dos três ou quatro monossílabos com que era brindado a cada nova pergunta. E arriscou: 'O senhor é feliz?'. Campos de Carvalho olhou para o alto do estúdio, para os lados, para o chão. Após um minuto e meio de um silêncio avassalador, o escritor finalmente respondeu: 'Não'. O entrevistador, visivelmente constrangido, emendou: 'Se o senhor pudesse mudar alguma coisa na mundo, o que mudaria?". De novo, longo silêncio. E a resposta: 'Nada'".

Este fragmento, extraído do release que me foi enviado, oferece um retrato perfeito de um escritor totalmente avesso à fama e à publicidade. Nascido em Uberaba, em 1916, Campos de Carvalho só escreveu seis livros, sendo que dois deles já foram adaptados para o teatro: "Vaca de nariz sutil" e "O púcaro búlgaro". Mas sua obra mais conhecida é realmente "A lua vem da Ásia", em cartaz no Teatro I do CCBB. Aderbal Freire-Filho atuou como supervisor de dramaturgia, estando a direção a cargo de Moacir Chaves, cabendo a interpretação do monólogo a Chico Diaz, também responsável pela adaptação do texto. 

Escrito em forma de diário, o texto narra a trajetória real e imaginária de um suposto insano - na primeira parte, ele está confinado a um hospício; na segunda, sua fantasia o leva a percorrer diversificadas e inusitadas geografias, sempre em busca de um improvável entendimento sobre a vida e a morte, invariavelmente valendo-se de corrosiva ironia para desafiar a lógica por todos aceita.

Simultaneamente engraçado e trágico, pleno de considerações pertinentes sobre uma infinidade de temas inerentes ao mundo em que vivemos, "A lua vem da Ásia" recebeu irrepreensível versão cênica de Moacir Chaves, que consegue materializar no palco, de forma sensível, poética e contundente, o conturbado universo mental do protagonista.

Este é interpretado de forma deslumbrante por Chico Diaz. Ator de vastíssima experiência e igualmente vastos recursos expressivos, Diaz extrai tudo o que é possível do riquíssimo personagem, valorizando tanto as passagens mais engraçadas quanto aquelas em que o trágico e o poético predominam. Sem sombra de dúvida, estamos diante de uma performance que, desde já, tenho a ousadia de afirmar que será um marco na atual temporada. 

Com relação à equipe técnica, Fernando Mello da Costa responde por uma cenografia altamente expressiva, em total sintonia com as propostas da direção. A mesma eficiência se faz presente nos figurinos de Maria Diaz Rocha, na iluminação de Renato Machado, nos vídeos de Eder Santos e na trilha sonora original de Alfredo Sertã, cabendo ainda destacar as inestimáveis colaborações de Rose Gonçalves (preparação vocal) e Marcia Rubin (preparação corporal).

A LUA VEM DA ÁSIA -   Texto original de Campos de Carvalho. Adaptação e atuação de Chico Diaz. Direção de Moacir Chaves. Teatro I do CCBB. Quarta a domingo, 19h.

Nenhum comentário:

Postar um comentário