segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Corpo e Movimento

Derek Browskill


"O QUE FAÇO COM AS MÃOS?"
"ONDE PONHO OS PÉS?"

Estas duas perguntas preocupam muitos atores, experientes ou não. A ansiedade causada por estes detalhes podem chegar a um tal ponto que faz com que pensamentos e perguntas sejam verbalizados. Para o diretor, as respostas não são tão simples. É fácil assumir uma postura cinicamente crítica para com os atores cuja imaginação leva às perguntas. Mais difícil é ajudá-los. Aparentemente simples, estas perguntas muitas vezes escondem verdadeiros pedidos de socorro. Este capítulo não vai mostrar o que fazer com as mãos, ou onde pôr os pés. No entanto, vai oferecer sugestões, que provavelmente eliminarão a necessidade das perguntas.

A movimentação corporal é a base de tudo o que aconteceu antes - respiração, fala, imaginação, concentração. Sem os movimentos suficientes e necessários, que por um lado mantêm a vida, e por outro geram as próprias atividades, nada disso pode ocorrer. O movimento pode ser quase imperceptível a olho nu, mas enquanto houver vida, haverá movimento mantendo-a.


RITMO

O ritmo pode ser descrito como "o fluxo e o movimento, ou a aparência de fluxo e movimento, suficientes e necessários para dar uma impressão natural de vida e energia". Parado ou em movimento, o corpo deve possuir um ritmo peculiar e essencial. Ao movimentar-se sem ritmo, o corpo dará a impressão de ser formado por partes que não combinam entre si. Faltará unidade por trás da diversidade de ação, e os movimentos atrairão a atenção por si próprios.

Quando parado sem ritmo, o corpo dará a impressão de ser completamente desprovido de potencial. Não dará nenhuma indicação de energia latente ou de dinâmica em repouso - parecerá vazio ou morto. Em ambos os casos, a falta de ritmo chamará a atenção e indicará algum tipo de debilidade.

Esta falta de ritmo é a grande característica de um animal agonizante ou um cadáver humano. No primeiro, os movimentos podem conter uma nota de pânico ou de nervosismo histérico, e no segundo, o que poderia ser um corpo vivo em repouso é percebido com simplesmente parado.


EQUILÍBRIO

Parado ou em movimento, para ter ritmo o corpo deve também ter equilíbrio. Se observarmos um amigo tentando equilibrar-se em uma perna só, de olhos fechados e com um livro na cabeça, logo notaremos os movimentos hesitantes que caracterizam a falta de equilíbrio. Andar de trem, ou caminhar dentro de um ônibus em movimento faz com que o corpo reaja naturalmente à sensação de desequilíbrio.

O ato rotineiro de caminhar demonstra claramente de que modo o corpo organiza as suas partes para garantir o equilíbrio, criando assim o ritmo adequado. Quando caminhamos de modo natural, neutralizamos o desequilíbrio, movimentando automaticamente o braço direito para a frente ao darmos um passo com a perna esquerda. Essa oposição natural funciona como os pratos de uma balança.

Para manter o equilíbrio, qualquer movimento precisa ser contrabalançado por outro igual e oposto. Tente caminhar movendo a perna e o braço direitos para a a frente ao mesmo tempo. Verá como o corpo tende a resistir. Para compensar a falta de equilíbrio, ele se mexe, se inclina e balança.

Uma combinação correta de ritmo e equilíbrio mostra que o corpo tem a capacidade de manter esta condição - parado ou em movimento - e demonstra também a capacidade de mudança e rapidez de reação. Numa boa movimentação corporal, existe uma constante declaração de energia e uma garantia de continuidade, com qualidades essencialmente plásticas e móveis. Nada há que ser rígido, espasmódico ou mecânico. Tais qualidades combinam-se no ideal continuamente buscado por um bom ator - economia de ação e elegância de execução.


CONSCIÊNCIA PERCEPTIVA:
ECONOMIA E ELEGÂNCIA

Pouquísimas pessoas organizam seu ritmo de movimento ou de fala conscientemente. Elas confiam em seus padrões naturais, usando-os inconscientemente. Mas no organizado microcosmo do palco, um ator precisa estar profundamente consciente do ritmo que utiliza e de seu efeito no público. Entretanto, não é necessário um estudo detalhado de cada movimento feito em cena. Uma análise cuidadosa dos momentos principais possibilitará a criação de um ritmo geral de trabalho. (Isto é especialmente importante no estudo do texto). Assim, pode-se chegar mais rapidamente à economia de ação e à elegância de execução, qualidades que são a marca de um bom ator.

Boa postura, respiração correta e bons exercícios de tensão e relaxamento muscular são elementos essenciais para um ator que objetive economia de ação. Para a elegância, é fundamental um corpo que represente com flexibilidade, confiança e sem esforço aparente. Sem controle e sem flexibilidade, jamais se chegará à economia e à elegância. Estes elementos são importantes na vida diária - e para um ator são vitais.


A IMPORTÂNCIA DO OLHAR

Evidentemente, escutar bem e ouvir com sensibilidade são os melhores instrumentos para uma boa fala. De modo semelhante, os olhos de um ator auxiliam-no na profunda compreensão do papel do corpo na expressão e na comunicação. É altamente proveitoso observar o modo como as pessoas utilizam seus corpos - mãos, pés, costas, ombros; sentadas, em pé, deitadas, caminhando ou correndo. Olhar conscientemenmte, tocar e ser tocado são elementos tão essenciais para o treinamento de uma boa movimentação, quanto escutar e ouvir para a fala.

Olhe à sua volta em lojas e restaurantes e observe como as pessoas usam o corpo para se comunicar. Umas possuem ampla gama de movimentos, gestos e expressões faciais, enquanto outras, não. Algumas usam muitos movimentos, e outras, praticamente nenhum. Enquanto estiver reparando como as pessoas usam as mãos e o rosto para se relacionar lembre-se que o verdadeiro teste para qualquer movimento ou gesto é o seu resultado.

Observe especialmente as reações dos outros à pessoa que se movimenta ou gesticula. Repare na utilidade e adequação (ou não) de seus movimentos; as oportunidades ganhas e as oportunidades perdidas. Observe em especial os movimentos usados em horas de tensão ou de leve desconforto emocional - mexer num cigarro, numa xícara, nas roupas ou no cabelo. Repare a freqüência com que as mãos são usadas para aumentar a auto-confiança e criar uma atmosfera segura, e não para ajudar o falante a defender seu ponto de vista.


IMAGEM CORPORAL

O corpo tem uma linguagem própria, que se manifesta muito antes de nos aproximarmos o suficiente de alguém para que os detalhes mencionados no parágrafo anterior possam ser percebidos. Pense na primeira impressão que lhe dá um homem andando de bicicleta, uma mulher num ônibus que passa ou o motorista do carro à sua frente. Muitas relações se formam, e algumas vezes perduram, como resultado desta primeira impressão corporal: a impressão geral dada pelo modo como uma pessoa anda, senta ou fica em pé. O modo como ele inclina a cabeça, o ângulo dos ombros, a posição dos cotovelos, a linha dos joelhos ao caminhar - tudo isso faz declarações poderosas.

Declarações que fornecem informações com um impacto muuito maior do que a soma de suas partes. No ritmo, parece haver algo de indefinível desafiando uma última análise; o mesmo também acontece com a imagem corporal. A impressão total transcende uma simples soma de componentes.


SENSAÇÃO CORPORAL

A imagem corporal não afeta só os observadores: afeta a própria pessoa. Pode-se definir isso como "sensação corporal". Em qualquer atividade, as pessoas assumem posições físicas nas quais se sentem bem. Sendo uma medida de apoio e dando a sensação de satisfação, essas posições auxiliam a pessoa no papel que está sendo representado ou na atividade executada.

Alguns indivíduos assumem uma atitude tão inflexível em relação à sua imagem corporal, que só conseguem ler, concentrar-se, prestar atenção ou costurar quando colocam seus corpos em determinadas posições. É lógico que a posição escolhida estará intimamente relacionada com o conforto físico na tarefa executada - mas o que influencia esta posição é a implicação de conforto emocional que esta sensação trará.

Em algumas pessoas, isso não é muito acentuado, enquanto para outras é mais importante do que as roupas que vestem. Se estiverem numa posição errada - que pode advir da diferença de um centímetro na altura de uma cadeira - essas pessoas terão a mesma sensação de desconforto que teriam se estivessem nuas, ou vestidas de modo ridículo.

A imagem e a sensação corporais são importantes em todas as áreas da expressão e da comunicação de experiências pessoais. São mais importantes do que pareceria possível, numa sociedade que pouco nos educa nesse sentido. Para perceber seu alcance e impacto, pense apenas em como, ao rever um velho amigo, você é invadido por lembranças, estimuladas às vezes por pequenos gestos, como o jeito que ele tem de estender a mão - ou, de longe, seu gesto característico de balançar um braço mais do que o outro.

Considere as diferenças no relacionamento de duas pessoas, das quais uma está sentada e a outra, em pé; ou a primeira assume uma postura ereta e a outra, encurvada, ou então uma pessoa que gesticula ativamente, enquanto o interlocutor permanece passivo. Sem que uma só palavra seja dita, pode-se observar os efeitos causados na base dos relacionamentos e das comunicações. Quando mudam as posições, mudam também a imagem e a sensação corporais, e mudará também a base do relacionamento e da comunicação.

É característico, nos britânicos, a ausência de percepção da imagem e sensação corporais, apesar de sua importância nos relacionamentos pessoais e na comunicação interpessoal. O ato de tocar as pessoas ainda é visto com desconfiança na Grã-Bretanha, mesmo numa hora em que as convenções sociais estão um pouco mais relaxadas. "Não tocar" vai além do aviso colocado perto de máquinas perigosas - é também um modo de vida. Para animais humanos que passaram os primeiros nove meses de vida em contato íntimo com outro ser humano, este é um verdadeiro desafio.


AUTO-PERCEPÇÃO ou AUTO-CONSCIÊNCIA?

Algumas pessoas normalmente acham que a percepção da imagem e da sensação corporais leva automaticamente a uma auto-consciência desinibida. Não é um risco muito grave. É um risco que devemos correr, a não ser que prefiramos correr o risco maior de não conseguirmos comunicar nossos verdadieros pensamentos, intenções e sentimentos.

Considere o exemplo de entrar em algum lugar. Há vários modos de fazê-lo, e, uma vez lá dentro, várias posições de chegada. Nesse lugar podem estar muitos amigos, um amigo em especial, um grupo de entrevistadores, o seu superior no trabalho num estado de espírito crítico, uma criança agitada. Seja qual for a situação, a imagem corporal que apresentarmos e a sensação corporal que tivermos afetarão diretamente os relacionamentos, durante pelo menos alguns minutos - talvez até por mais tempo.

A imagem corporal pode ter sido aparente no máximo por alguns segundos, às vezes por menos de um segundo. Já que a imagem e a sensação corporais podem causar um impacto tão grande e tão importante, parece-nos lógico melhorar a percepção que temos disto. Para um ator em treinamento, é um argumento atraente e indiscutível.
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Artigo extraído - e aqui reduzido - de "Acting and Stagecraft Made Simple", W. H. Allen 1979. Tradução de Livia Mazzocato (Colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC-Rio). Este artigo consta da edição nº 133 da revista Cadernos de Teatro/1993.



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