quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Teatro/CRÍTICA

"A noite mais fria do ano"

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Ficção e realidade no Poeira


Lionel Fischer


Uma peça dentro da outra. O recurso não é novo, mas Marcelo Rubens Paiva vale-se dele para, aparentemente, contar duas histórias, quando na verdade trata-se de uma só: uma fictícia, a outra real. Em sua primeira metade, "A noite mais fria do ano" mostra o embate verbal entre o editor de uma revista e seu fotógrafo, dando a entender que o primeiro teria sido amante da mulher do segundo, Carla. No "segundo ato", um autor teatral está em seu apartamento quando recebe a inesperada visita de Carla, atriz com quem vivera e trabalhara, e que o abandonou, estando no momento casada com um homem que a espancara. Então fica claro que a primeira história é uma criação oriunda do drama vivido pelo dramaturgo.

Após cumprir bela temporada em São Paulo, com casas lotadas em todas as sessões - segundo o release que nos foi enviado - "A noite mais fria do ano" acaba de entrar em cartaz no Teatro Poeira. Marcelo Rubens Paiva assina aqui sua primeira direção, estando o elenco formado por Paula Cohen, Hugo Possolo, Mário Bortolloto e Alex Gruli.

Sendo Marcelo Rubens Paiva um autor de grande talento, nada mais natural que se esperar dele um texto à sua altura. Mas este deixa um pouco a desejar. Na primeira história, o embate entre os dois homens soa um tanto irreal, pois as revelações de natureza lúbrica feita pelo editor ao fotógrafo, envolvendo a mulher deste, o levariam a ir embora ou tomar uma atitude drástica. E de fato, em dado momento, tudo leva a crer que chegaremos a um destino trágico, pois o editor saca uma pistola e o fotógrafo pega o facão do responsável por um quiosque, que, por sinal, não apenas assiste à cena como nela intervém com observações, digamos, engraçadas. Mas ambos não se ferem, e voltam a trocar confidências e acusações por um tempo excessivo.

Já na segunda parte, o encontro entre o dramaturgo e sua ex-mulher é bem mais interessante, pois aí o autor levanta pertinentes questões sobre o amor, a convivência, o ciúme, o sexo, a dificuldade de se seguir em frente sem a pessoa amada etc. Mas mesmo aqui o autor prolonga excessivamente a história, que, se um pouco reduzida, provocaria na platéia um impacto ainda maior do que o obtido.

Com relação ao espetáculo, Marcelo Rubens Paiva faz boa estréia como diretor. Além de criar marcas expressivas em total sintonia com os conteúdos em jogo, e trabalhar muito bem os tempos rítmicos, o encenador extrai ótimas atuações de todo o elenco, formado por intérpretes de grande experiência, dois deles também autores e diretores - Mário Bortolotto e Hugo Possolo. Mas o grande destaque é sem dúvida Paula Cohen. Possuidora de vastos recursos expressivos, a atriz convence em todos os momentos, sejam eles dramáticos ou engraçados, imponto ao texto variações surpreendentes e criativas, além de exibir um notável trabalho corporal.

No tocante à equipe técnica, Rui Mendes responde por uma iluminação que enfatiza com grande sensibilidade todas as emoções em causa, em especial no segundo ato. Zé Carratu assina uma cenografia que atende a todas as exigências do espetáculo, sendo corretos os figurinos não assinados.

A NOITE MAIS FRIA DO ANO - Texto e direção de Marcelo Rubens Paiva. Com Paula Cohen, Hugo Possolo, Alex Gruli e Mário Bortolotto. Teatro Poeira. Terças e quartas, 21h.

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