segunda-feira, 15 de junho de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Espia uma mulher que se mata"

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Maravilhosa e surpreendente versão de um clássico


Lionel Fischer


Por muitos considerada a melhor peça de Tchecov, "Tio Vânia" já recebeu inúmeras e primorosas versões de encenadores nacionais. Mas esta, do argentino Daniel Veronese (em cartaz em Buenos Aires) e que aqui é assinada por Marcelo Subiotto, que atua no espetáculo portenho, foge por completo a tudo que já vimos, materializando na cena um "olhar" sobre o texto que, sem traí-lo em momento algum, permite ao espectador, digamos, uma espécie de inesperado encontro com personagens e situações há muito conhecidas - neste particular, naturalmente, nos referimos a espectadores que cultivam o salutar hábito de ir ao teatro e que já tenham assistido a outras versões desta obra-prima.

Em cartaz no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), "Espia uma mulher que se mata", livremente inspirada em "Tio Vânia", chega à cena com elenco formado por Roberto Bomtempo, Miriam Freeland, João Vitti, Marco Miranda, Flavia Pucci, Regina Sampaio e Symone Strobel.

"Não haverá roupas teatrais, nem ritmos bucólicos em salões familiares. Nem utensílios que denotem um tempo campestre. A ação acontecerá na velha e maltratada cenografia. Tirando elementos até chegar a uma expressão mínima, 'Espia uma mulher que se mata', versão de 'Tio Vãnia', acaba sedimentando algumas questões de ordem universal: o álcool, o amor pela natureza, os animais toscos e a busca da verdade através da arte. Deus, Stanislavski e Genet".

O texto acima, extraído do release que nos foi enviado e de autoria de Daniel Veronese, sintetiza de forma admirável as premissas essenciais do espetáculo. Ao invés dos tais ritmos bucólicos, sempre uma constante em Tchecov, aqui quase sempre o ritmo é vertiginoso, muitas vezes os atores falam ao mesmo tempo - mas sempre permitindo que se entenda o essencial do que dizem - e o álcool é uma espécie de mola propulsora de todos os conflitos, na medida em que permite um progressivo relaxamento de todas as defesas, assim facilitando o exacerbado e doloroso aflorar de verdades fadadas a permanecerem ocultas.

Evidentemente que falando apenas em nosso nome, posto que não saímos perguntando a opinião dos espectadores ao final da montagem - ainda que tal desejo nos acossasse, tamanho nosso entusiasmo -, nos sentimos como num daqueles encontros de família, não raro caóticos, impregnados de histeria e ao mesmo tempo de momentos altamente dramáticos, comoventes e líricos, afora outros tantos em que se torna impossível conter o riso - neste particular, nunca é demais lembrar que Stanislavski e Tchecov, embora grandes amigos, viviam à turras, pois o primeiro achava dramáticas todas as grandes obras do segundo, enquanto Tchecov insistia que escrevia comédias.

Enfim...seja como for e sob todos os pontos de vista, trata-se de uma versão maravilhosa e inusitada de uma obra quase sempre montada de forma convencional, o que torna obrigatória e inadiável uma ida ao Planetário.

Com relação ao elenco, aqui nos deparamos com algo bastante raro: todos os atores, sem exceção, desempenham seus papéis de forma admirável, a eles se entregando de uma maneira apaixonada e visceral. Em vista disso, nos pareceria injusto destacar um determinado desempenho. Mas como eventuais injustiças fazem parte da natureza humana - e um crítico teatral, embora muitas vezes não pareça, também se inclui entre os bípedes que habitam este curioso planeta - não resistimos à tentação de falar de Miriam Freeland. E por uma razão muito simples: sendo uma mulher belíssima e dotada de um tipo físico que a condenaria a fazer princesas ou mocinhas tísicas de novelas de época, a atriz demonstra sua capacidade de negar frontalmente as premissas que poderiam aprisioná-la, criando uma Sônia absolutamente passional, histérica e de uma fragilidade comovente. Sem dúvida, Miriam Freeland exibe aqui a melhor atuação de sua carreira.

Na equipe técnica, Daniel Veronese responde por uma cenografia propositadamente "velha e maltratada" e por uma luz geral que jamais se modifica, ambas em perfeita sintonia com suas propostas já mencionadas, a mesma sintonia presente na "ausência" de figurinos datados.

ESPIA UMA MULHER QUE SE MATA - livre adaptação de "Tio Vânia", de Tchecov. Direção de Marcelo Subiotto. Com Roberto Bomtempo, Miriam Freeland e outros. Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea). Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
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