terça-feira, 2 de junho de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Decameron - A arte de fornicar"

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Divertida recriação de um clássico

Lionel Fischer


Ao contrário do que sustentam ignorantes ou moralistas - em muitos casos, tais virtudes se encontram reunidas numa só pessoa, o que a torna perigosíssima - Giovanni Boccaccio não foi um autor empenhado em produzir obras obscenas, apenas com o intuito de chocar seus contemporâneos. Muito pelo contrário: através de seus escritos, satirizou o pensamento religioso da Idade Média e investiu furiosamente contra os valores morais e sociais de sua época. E o fez deixando evidente sua enorme capacidade de reflexão e notável vocação para a comédia.

No presente caso, estamos diante de uma livre adaptação de "Decameron", aqui rebatizada de "Decameron - A arte de fornicar", que parte do original, sem dúvida, mas cria muitos outros personagens e situações, tendo estas como cenário uma praça e várias moradias. Projeto idealizado por Jô Santana, "Decameron..." chega à cena (Teatro das Artes) com adaptação de Elisio Lopes Junior, direção de Otávio Muller e elenco formado por Fabiana Karla, Marcos Oliveira, Bel Kutner, George Sauma, Zéu Britto, Jô Santana, Claudia Borioni, Isabel Lobo e Hossen Minussi.

Tendo como mola propulsora a chegada de dois amigos - Maroto e Pepeto, perseguidos por capangas de alguém supostamente poderoso a quem enganaram - a uma pequena cidade, a partir daí assistimos ao desenrolar de várias tramas, todas elas envolvendo comerciantes e artesãos, assim como suas fogosas e carentes esposas, e também freiras enlouquecidas pela prolongada abstinência sexual inerente à sua condição - afora uma donzela cuja aparente pureza encobre um furor digno de uma Messalina.

Exibindo ótimos personagens, bons diálogos e um enredo que prende a atenção do espectador desde o início, a adaptação de Elisio Lopes Junior só merece um reparo: se o texto final fosse um pouco reduzido, certamente o resultado seria ainda mais atraente.

Quanto à montagem, Otávio Muller impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o texto, criando marcas divertidas e imprevistas, sem jamais vulgarizar o material dramatúrgico de que dispunha - ou seja, demonstrando que é possível falar de sexo e mesmo sugerir sua execução no palco de forma ao mesmo tempo engraçada e lúdica. Mas nos permitimos sugerir ao diretor que diminua um pouco o excessivo volume sonoro da abertura do espetáculo, um tanto ou quanto atordoante.

Com relação ao elenco, todos os atores se entregam apaixonadamente a seus papéis e revelam uma rara alegria de estar em cena. Mas alguns, até em função dos personagens que interpretam, merecem ser destacados, sendo este o caso de George Sauma (Maroto), Marcos Oliveira (Pepeto), Fabiana Carla (Sofrônia), Claudia Borioni (Isabeleta) e Bel Kutner (Saririta).

Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o trabalho de todos os profissionais envolvidos neste ótimo e mais do que pertinente projeto - Caíque Botkay (direção musical), Vera Oliveira (cenário), Cássio Brasil (figurinos), Paulo Denizot (iluminação) e Márcia Rubin (direção de movimento).

DECAMERON - A ARTE DE FORNICAR - Texto de Boccaccio. Adaptação de Elisio Lopes Junior. Direção de Otávio Muller. Com Marcos Oliveira, George Sauma e outros. Teatro das Artes. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h30.

Um comentário:

  1. Lionel!! Devido a sua ligação fiquei curioso de ler sua crítica e rapidamente vim acessar seu blog! Muito obrigado pela generosa crítica, sempre acho coerente e muito bem analisado tudo o que você escreve e essa última não foi diferente. Concordo de que o final poderia ser mais enxugado, mas posso te garantir que no processo enxugamos muuuuito, o que realmente fez a adaptação envolvente do ínicio ao fim(acho que você consegue imaginar os famosos "cortes" que acabam tendo que ser feitos para ter um espetáculo mais dinâmico).
    Enfim, muito obrigado por ter ido nos assistir, te adoro e te admiro muito, mestre!
    Ah, uma última coisa, eu acredito que o Zéu Brito merecia uma lembrança, pois eu particularmente acho que ele está brilhante no espetáculo! Mas enfim, o crítico é você! Grande abraço, George.

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